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    OPINIÃO

    Amor rasgado e fãs on-line explicam fenômeno Cristiano Araújo

    FABIO VICTOR
    EDITOR-ADJUNTO DA "ILUSTRADA"

    25/06/2015 14h56

    Cristiano quem? A pergunta ecoou por Redações e, hmm, digamos, círculos urbanos esclarecidos Brasil afora.

    Mas como era possível ignorar um artista cuja morte comovia tanta gente?

    Um título do jornal "El País" nesta quinta resumiu bem a estranheza: "Cristiano Araújo, o cantor que ninguém conhecia, exceto milhões".

    Aos fatos. Fenômeno da música sertaneja, Cristiano morreu num acidente de carro numa estrada de Goiás na madrugada de quarta (24). Tinha 29 anos. A namorada, de 19, morreu também. Os corpos foram enterrados nesta quinta.

    Desde a manhã da quarta, e até o fim da noite, as TVs inundaram (ou interromperam) a programação com flashes ao vivo, tendo o velório como ponto alto. A morte era o assunto mais lido em sites e portais e dominava as redes sociais. No "Jornal Nacional", foi a primeira notícia da "escalada" (as chamadas da abertura do telejornal) e ganhou quase 11 minutos.

    Duas perguntas se impuseram: por que Cristiano era um fenômeno? E por que sua morte causou um frisson midiático aparentemente maior que o próprio sucesso do cantor?

    Para responder à primeira, é bom antes saber que a música sertaneja é a mais ouvida em grande parte do país. Numa pesquisa de 2014 que mapeou o consumo cultural no Estado de São Paulo, o gênero foi o mais citado como "preferido para dançar" (19%, com forró em segundo e eletrônica em terceiro).

    Eu, que jamais ouvira o nome de Cristiano, fui pesquisar o que ele cantava. Seu primeiro sucesso, "Efeitos", é uma balada em que o cantor grita precisar "de um antídoto que salve esse amor", "que tire os sintomas que me causam dor" e arremata: "Eu não sei mais o que vou fazer/ se pra curar o meu remédio é você".

    Outros hits seguem a toada. Em "É com Ela que eu Estou", intima: "Então senta e escuta calada e vê se não chora/ Ela quis o amor que um dia você jogou fora".

    Harmonia e ritmo são pobres, mas as melodias são o puro chiclete que marca o tal "sertanejo universitário", subgênero de que Michel Teló e sua "Ai Se Eu Te Pego" talvez sejam o maior símbolo.

    Mas desconfio de que a charada more mesmo é na temática: Cristiano em geral canta a dor do amor demais.

    Somos o país do amor rasgado, do sentimento à flor da pele. Aqui, quanto mais sofrido o amor (ou melhor, a impossibilidade do amor), maior a chance de uma música ou artista estourar –o fenômeno de Pablo do arrocha anda por aí a confirmá-lo.

    Quanto ao frisson midiático e à surpresa de muitos: como ocorre volta e meia, ontem muitos descobrimos que nossos gostos se limitam aos daqueles com quem convivemos.

    (Aqui é preciso lembrar outro morto ilustre recente, o compositor Fernando Brant, que em "Notícias do Brasil", composta com Milton bem antes de existir internet, escreveu: "A novidade é que o Brasil não é só litoral/ É muito mais, é muito mais que qualquer zona sul/ [...] Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil/ Não vai fazer desse lugar um bom país".)

    A diferença é que agora é bem mais fácil ouvir a voz desse Brasil que muitos ignoravam existir. Com audiência aferida em tempo real na internet, seja nas redes sociais ou pelos cliques dos sites e portais, é possível ver a onda se formando e se preparar para surfá-la, em vez de percebê-la só depois do caldo.

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