Passado um ano da morte do escritor Rubem Alves (1933-2014), seus admiradores podem ter uma oportunidade valiosa: experimentar a impressão de que estão conversando com o consagrado educador e colhendo dele um pouco mais de suas histórias, conceitos relativo à vida e detalhes de sua trajetória.
Em "É uma Pena não Viver - Uma Biografia de Rubem Alves" (editora Planeta), Gonçalo Junior, com vastos elementos de pesquisas, constrói o ambiente que acolheu a infância de Rubem, no interior mineiro, passando por sua formação intelectual, pela vida religiosa e por sua obsessão por liberdade.
Maria do Carmo/Folhapress | ||
O escritor Rubem Alves em sua casa em Campinas, em retrato feito em 2005 |
Ao longo de suas 477 páginas, a obra -autorizada pela família- entrelaça o trabalho de campo do autor, que fez 30 entrevistas e contou com documentos inéditos repassados pelo Instituto Rubem Alves, com interferências de trechos de crônicas e declarações de Rubem.
"Tive muita preocupação com os fragmentos de memórias usados. Não poderia criar um descompasso com a poética e com o modo de falar do Rubem", afirma o autor.
O espírito contestador do escritor é respeitado até na explicação de como ele ganhou paixão pela leitura, em trecho literal de sua fala.
"Não aprendi com a gramática. Dizem que os jovens não gostam de ler. Mas como poderiam amar a leitura não houvesse alguém que lesse para eles. Aprende-se o prazer da leitura da mesma forma que se aprende o prazer da música: ouvindo."
Do traumatizante bullying sofrido no colégio devido a seu sotaque carregado e pela condição de pobreza na infância, passando pela questionadora carreira de pastor da igreja Presbiteriana, pela perseguição e pavor vividos durante a ditadura militar até o mergulho no universo da educação e da humanização, o livro vai formando o "encantador de palavras".
"Cinco anos antes de morrer, Rubem fez um roteiro para um documentário sobre a sua vida, que acabou não sendo rodado. Tive acesso a esse documento e procurei seguir aquele caminho. Ele havia reprovado duas biografias anteriores, mas penso que ele iria concordar com a minha", diz Gonçalo Junior.
Parte densa da obra é dedicada a um período de intenso sofrimento para o professor -que fez carreira na Unicamp e foi um dos palestrantes sobre educação mais importantes do país-, o da ditadura (1964-1985).
Segundo o autor, "a fase foi muito importante, porque Rubem se viu acuado, censurado. Passou por dificuldades financeiras e teve de se exiliar nos EUA. Sofreu pressão tanto de militares como da própria igreja de que era pastor."
O escritor com sua veia mais engraçada, como defensor das diferenças e de valores humanos, tal qual conheceram mais de perto leitores desta Folha, onde Rubem foi colunista por três períodos, a partir da década de 1980, aparece com mais força a partir do capítulo nove.
Em "Histórias para Raquel Dormir", uma referência aos contos infantis criados pelo filósofo para a filha, Rubem começa a surgir com mais lirismo e com mais momentos emotivos. Mesmo assim, seguem na caracterização os ideais de liberdade e a crítica do "não viver" plenamente.
"O livro se chama 'É uma Pena não Viver' porque, para Rubem, não bastava existir, era preciso aproveitar tudo o que a vida proporcionava de maneira intensa. Ele foi subversivo até o fim", diz Gonçalo.
É UMA PENA NÃO VIVER
AUTOR Gonçalo Junior
EDITORA Planeta
QUANTO R$ 49,90 (496 págs.)