Sétimo longa de Federico Fellini, "A Doce Vida" é um milagre, de um tempo em que o cinema italiano era pródigo em milagres.
Estamos em 1960, em meio ao estouro do cinema moderno europeu, com sua pujança autoral, enquanto do outro lado do Atlântico Hollywood se entregava cada vez mais aos interesses financeiros.
Após "Noites de Cabíria" (1957), Fellini rompe com seus últimos laços neorrealistas e constrói uma poderosa crítica à sociedade do espetáculo.
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Os atores Marcello Mastroianni e a atriz Anita Ekberg em cena de 'A Doce Vida' |
Esqueçam "A Grande Beleza" (2013), a bobagem de Paolo Sorrentino com a qual "A Doce Vida" foi insistentemente comparado. Fellini não precisa fazer uma longa propaganda de bebida para expor o que pensa. Precisa apenas de um invejável poder de observação e de um alter ego (Fellini foi jornalista na juventude).
O jornalista de celebridades Marcello (Marcello Mastroianni) quer se tornar um escritor de verdade, um intelectual, mas perde tempo num circuito de festas e perdições diversas.
Ele sabe que o ambiente em que está inserido é uma farsa, mas ao mesmo tempo não encontra forças para ir contra a maré. Por vezes, reage a tudo e a todos com um tédio que mais parece charme aos olhos mundanos.
Desde a primeira imagem, de um helicóptero levando uma estátua de Cristo (imagem buñueliana que será homenageada por Theo Angelopoulos em "Paisagem na Neblina"), até o encerramento na praia, com a menina que diz algo que Marcello não consegue ouvir, percebemos estar diante de uma obra-prima.
A ligação entre esses dois momentos é perfeita. Acompanhando o helicóptero que leva a estátua está um outro helicóptero, com Marcello e um fotógrafo. Passam por uma cobertura onde garotas tomam banho de sol. Marcello tenta falar com elas, mas elas não conseguem ouvi-lo.
Como seu conterrâneo Michelangelo Antonioni (sobretudo na trilogia formada, por "A Aventura", "A Noite" e "O Eclipse"), Fellini fala, entre muitas outras coisas, da dificuldade de comunicação no mundo moderno.
Com elenco impressionante (Anouk Aimée, Anita Ekberg, Alain Cuny), "A Doce Vida", seu filme mais ambicioso, mostra um mundo repleto de frivolidades, com pessoas falsas, de alegrias e reações postiças. É praticamente uma antevisão do que vivemos hoje em diversos setores da sociedade.