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    CRÍTICA

    TV paga exibe 'Batman' de Tim Burton e tributo de Ettore Scola a Fellini

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    24/08/2015 08h05

    SEGUNDA-FEIRA (24)

    Costa-Gavras é homem de caráter. Penso menos no espírito de justiça que move seus filmes, claro. Penso sobretudo em um caso interessante: quando os "Cahiers du Cinéma" precisaram de ajuda para sobreviver, Costa-Gavras não hesitou em se apresentar e sustentar a revista que, basicamente, sempre o ignorou.

    Os "Cahiers" não mudaram de posição por isso. Nem ele pedira isso. Essa integridade ele leva até "Amém" (2003, TV Brasil, 23h), em que um oficial da SS tenta alertar o Vaticano de Pio 12 sobre o que ocorre nos campos de concentração nazistas. E Pio 12 meio que se faz de surdo... O filme inaugura uma semana dedicada pelo canal a filmes sobre a Segunda Guerra. Filmes não óbvios.

    Dito isso, vale a pena dar atenção a "Dirigindo no Escuro" (2002, Paramount, 22h), em que Woody Allen é um diretor de cinema que, de repente, fica cego (comentário elegante a parte considerável do cinema atual).

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    ORG XMIT: 395601_0.tif O ator Ulrich Tukur (esq.), em cena do filme "Amen", de Costa-Gavras. (Divulgação)
    O ator Ulrich Tukur (esq.), em cena do filme "Amen", de Costa-Gavras

    TERÇA-FEIRA (25)

    Contemporâneo é uma palavra ambígua. Até há pouco podia-se dizer que o cinema contemporâneo era o decorrente do "blockbuster" surgido no final dos anos 1970.
    Desde o 11 de Setembro de 2001 há um novo contemporâneo, em que predominam animações ou super-heróis.

    Não que antes eles não existissem. Em 1989, Tim Burton dirigiu um "Batman" (FX, 16h15) que não se empenha em, primeiro, levar muito a sério as coisas (a HQ. Inclusive).

    Coringa, na pele de Jack Nicholson, é o criminoso disposto a tomar Gotham City, é verdade, mas não deixará de lado um gesto de humor por isso. Já nosso herói é um tanto insípido (como Michael Keaton), mais insípido ainda perto da sensual Vicki Vale (Kim Basinger).

    Certa infantilização da história funciona mais como crítica ao gênero super-herói: um pouco de descrédito na indústria cultural da crença: isso já não é mais contemporâneo.

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    ORG XMIT: 015901_0.tif Cinema: a atriz Michelle Pfeiffer durante cena do filme "Batman - O Retorno" (EUA, Reino Unido, 1992), dirigido por Tim Burton. (Foto Divulgação)
    A atriz Michelle Pfeiffer durante cena do filme "Batman - O Retorno", de Tim Burton

    QUARTA-FEIRA (26)

    Jan Kadár e Elmar Klós formaram a dupla de ponta do cinema tcheco desde que os comunistas tomaram o poder. Seu tema mais frequente era a guerra (todos contra os nazistas: isso simplificava bem as coisas no tempo em que o stalinismo espalhava seu terror).

    Não é outro, no mais, o assunto de "A Pequena Loja da Rua Principal" (1965, TV Brasil, 23h30), que lhes deu, aliás, o Oscar de filme estrangeiro.

    O que domina o filme não é a ação, mas as tensões da Ocupação. Estamos em 1942 e o centro é o carpinteiro Tono, cuja mulher inveja a boa vida de Marcus, irmão de
    Tono e colaboracionista total. Marcus oferece então ao irmão a chance de tomar posse da mercearia de uma senhora judia. Ele topa. Veremos então o que acontece depois.

    Belas opções do dia: "Dublê de Corpo" (1984, TCM, 0h45), de Brian de Palma, e "Que Estranho Chamar-se Federico" (2013, TC Cult, 17h), de Ettore Scola (sobre Fellini, claro).

    QUINTA-FEIRA (27)

    Se não é quem inaugura, Brian de Palma é quem melhor compreende esse momento capital do cinema, em que as imagens já não surgem da observação do mundo (ou das artes plásticas), mas de outras imagens.

    É como se o cinema já não tivesse mais o que olhar de novo nas coisas e se refugiasse na bricolagem: em recuperar as imagens e recombiná-las, buscando novos sentidos, a verdade que já não encontra no mundo.

    Nesse sentido, "Dublê de Corpo" (1984, TCM,220h) é como que um resumo do estilo De Palma: seu personagem é um ator de segunda a quem um amigo oferece a chance de ficar em seu belíssimo apartamento.

    Ali, nosso claustrofóbico herói viverá aventuras bem mais perigosas do que havia sonhado. Enquanto isso, De Palma conduz seu filme com a maestria que poucos cineastas de sua geração possuem: aquela, sobretudo, que lhe permite fundar seu filme sobre imagens, muito mais do que sobre palavras.

    SEXTA-FEIRA (28)

    Talvez a melhor forma (ou a mais fácil) de se relacionar com "Barão Olavo, o Horrível" (1970, TV Brasil, 0h45) venha da frase de Júlio Bressane: o horror não está no horror.

    Estamos num filme de horror, pois é disso que se trata: o terrível barão, necrófilo, matador de cachorros e mulheres, necrófilo. Cuidado com o barão, como lembra alguém... E seu cúmplice, o padre, pois esse horror não é nada anglo-saxão, é bem católico.

    O barão é de 1970, do auge da ditadura, do Doi-Codi. Eis onde está o horror, na ditadura e em seus torturadores, de que o filme é uma das melhores metáforas.

    Outra maneira de se relacionar (e não de compreender, não é essa a questão) o filme é através de suas imagens, tão frequentemente belas (mas por vezes desleixadas). Talvez a frase de Bressane nos liberte para nos entregarmos seja a elas, seja ao lado chanchadesco de tudo isso.

    SÁBADO (29)

    No começo é uma recepção, com seus encontros, bebidas etc. Aos poucos, apenas, percebemos que sob essas imagens suaves desliza um pesadelo.
    Sim, em "O Anjo Exterminador" (1962, Futura, 22h) tudo é uma questão de burguesia. Os empregados escapam antes do jantar. E o que era agradável, com os elementos típicos desse tipo de encontro, pouco a pouco se revela sufocante.

    Algo, porém, ocorre: ninguém consegue sair. De onde vem isso? O princípio talvez seja o do pesadelo como esse momento em que a angústia irrompe fortemente porque nos aproximamos dos desejos mais reprimidos, isto é, mais proibidos.

    Buñuel era surrealista, nunca deixou de ser, e de esquerda. Mas a burguesia não entra aí como mera vítima do anjo: é que o território do desejo e do sonho ignora a economia (e a penúria, e a fome).

    Bem mais tradicional, mas nada desprezível, é "A Separação" (2011, Arte1, 20h), de Asghar Farhadi.

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    Cinema: a atriz Leila Hatami em cena do filme " A Separação", de Asghar Farhadi (2011). (Foto: Divulgação) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    A atriz Leila Hatami em cena do filme " A Separação", de Asghar Farhadi (2011)

    DOMINGO (30)

    Há cineastas de apreensão rápida: DeMille pela produção de impacto, John Ford pelo sentimental, Hitchcock pelo suspense etc. A tendência é nos entregarmos de imediato a seus filmes.

    Outros são de apreensão lenta: não nos impressionam muito à primeira visão, mas, quanto mais os revemos, mais têm o que mostrar.

    É nessa categoria que se encontram "Rio Vermelho" (1948, TC Cult, 22h) e seu autor, Howard Hawks. Trata-se de um épico em torno da abertura da trilha que, após a Guerra de Secessão, permitiu a condução de gado do Sul dos EUA aos mercados yankees.

    Em vez de centrar fogo no "heroico" do episódio o que temos são sequências envolvendo desde a personalidade dos participantes até um estouro de boaiada, passando pela dentadura perdida em um jogo de baralho. Além, claro, da disputa entre pai e filho, que serve de fio condutor e une os vários núcleos da narrativa. Um faroeste raro, de gênio.

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