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    Periscópio em filme de Kiko Goifman é crítica a superexposição

    GUILHERME GENESTRETI
    DE SÃO PAULO

    27/08/2015 02h30

    "Nosso deus aqui é Beckett, é Beckett o tempo todo", diz o diretor Kiko Goifman, entusiasta da obra do dramaturgo e escritor irlandês, escancarando ser no terreno do absurdo que ele assenta seu novo longa, "Periscópio". O filme estreia nesta quinta (27).

    Élvio (João Miguel) divide um lúgubre apartamento com Eric (vivido pelo ensaísta Jean-Claude Bernardet), com quem mantém uma relação de dependência não tornada muito clara: o primeiro serve o segundo, dono do imóvel, como uma espécie de enfermeiro. Estão confinados ali –não importa por quê.

    A rotina dos dois personagens, já não muito sãos, descamba de vez com a insólita aparição de um periscópio, aquele instrumento usado por submarinos para enxergar o que há acima do nível da água.

    Divulgação
    Créditos: Divulgação Legenda: Cena do filme "PERISCOPIO" ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Jean-Claude Bernadet em cena de 'Periscópio'

    Salivando no meio da sala, o acessório parece vigiá-los e levá-los a atuar. "Você acha que ele circula por aí quando não estamos vendo?", indaga Eric. O periscópio é uma espécie de espelho, mas também um tubo voyeur que guarda, do outro lado, uma cabra que dá voltas num quartinho.

    Parte das interações entre os atores foi fruto de improvisação. "É algo que nunca resulta em cenas medianas: ou fica uma merda ou fica ótimo. Se ficar uma merda, descarto", afirma Goifman, que escreveu o roteiro em parceria com Jean-Claude Bernardet, com quem diz compartilhar das mesmas inquietações.

    "Estamos falando da ampliação dos dispositivos do olhar", diz Goifman. "Uma ampliação que pode permitir ver mais longe ou que permite aos outros que te vejam mais de perto."

    A metáfora, afirma, se estende para além da crítica aos "reality shows" e à profusão de câmeras de segurança nas cidades: "Os personagens creem que ganham vida quando observados. É o que vivemos hoje com as redes sociais."

    Apesar da intrusão do periscópio, os personagens mantêm algumas de suas idiossincrasias. Élvio, por exemplo, continua a falar em inglês com Jack, o peixinho de olhos esbugalhados, num claro desapego da trama ao tom realista.

    "Filmes naturalistas demais são caretas. Estamos em 2015. Já dá para dialogar com o peixe sem que soe estranho", diz Goifman.

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