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    Biografia revê trajetória do herói venezuelano Simón Bolívar

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    29/08/2015 02h00

    Media 1,65 m, pesava 60 kg, tinha o "peito miúdo" e "pernas impossivelmente finas". A aparente fragilidade, porém, se dissolvia quando Simón Bolívar (1783-1830) começava a falar, com "um magnetismo que parecia apequenar homens mais robustos".

    Durante 11 anos, esse homem culto, que podia citar Rousseau em francês e Júlio César em latim, liderou uma campanha militar sem precedentes na América Latina.

    Enfrentando a umidade das selvas, o calor caribenho e o gelo dos Andes, Bolívar foi definitivo para libertar do jugo espanhol o que hoje são Colômbia, Venezuela, Panamá, Equador, Peru e Bolívia.

    Em "Bolívar - O Libertador da América", lançado agora no Brasil pelo Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha, a historiadora e jornalista peruano-americana Marie Arana, 65, explica como o contexto em que nasceu o chamado "Libertador" e sua personalidade singular deram origem a uma utopia da América Latina unida e independente até hoje revisitada.

    Divulgação
    Simon Jose Antonio de la Santisima Trinidad Bolivar y Palacios, conocido como Simon Bolivar foto:Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Reprodução de retrato do venezuelano Simón Bolívar

    Também narra com dramaticidade e detalhe o modo como esse sonho se dissolveu ainda durante a vida de Bolívar, fazendo dele, ao final, um herói triste e decepcionado.

    "Busquei uma história que pudesse contar o máximo sobre a América Latina, que reunisse questões de identidade e de história e revelasse por que nos transformamos no que somos. Bolívar se encaixou perfeitamente nisso", diz Arana à Folha, por telefone.

    Membro do conselho da Biblioteca do Congresso, em Washington, Arana utilizou documentos sobre Bolívar recolhidos nos Estados Unidos e na América Latina.

    "Tive a sorte de ele ter sido um personagem amplamente documentado. Bolívar e seus companheiros de campanha militar escreveram muito, pintores o retrataram, então sabemos desde fofocas de bastidores das batalhas até como era sua aparência."

    MENINO RICO

    Arana relata como Bolívar cresceu numa família "criolla" (de origem europeia, mas nascida na América) em uma Caracas já descontente com o controle espanhol. Seu pai era um dos homens mais ricos do país, e o garoto já nascera proprietário de casas na cidade e no campo, terras cultiváveis, portos, minas e escravos.

    De comportamento rebelde, passou a adolescência brincando com filhos de escravos e teve na negra Hipólita, ama-de-leite destinada a cuidar dele, uma espécie de segunda mãe.

    "Bolívar foi consciente da questão racial desde cedo. Por isso não teve dúvidas de arregimentar escravos para seu exército. Porém, essa mesma decisão levou-o a refletir de forma negativa sobre o futuro do continente. No fim, ele passou a acreditar que a desigualdade racial criaria um desequilíbrio perigoso para a região."

    Após as independências, Bolívar assistiu com tristeza e raiva à divisão política entre seus comandados. Tentou de forma vã conter a fragmentação do sonho. Começou a defender posturas mais autoritárias e a dizer que "servir a uma revolução era arar no mar". Morreu desiludido e tuberculoso, aos 47, em Santa Marta, no litoral colombiano.

    "Se tivesse vivido mais, creio que seu destino teria sido o exílio e um final de vida de depressão e encerramento, como ocorreu com San Martín", diz Arana, referindo-se ao prócer argentino, que passou seus últimos tempos em Paris.

    Mais frustrado ficaria, no entanto, se soubesse como seu legado seria mal-interpretado no futuro.

    "De Fidel a Pinochet, seu discurso foi distorcido à esquerda e à direita. Bolívar jamais estaria de acordo com a interpretação que foi feita por Hugo Chávez e seus seguidores. Quem usa o termo 'bolivariano' para falar de um socialismo latino-americano não sabe o que está dizendo. O debate sobre o pensamento de Bolívar tem sido marcado pela ignorância."

    APOIO À ARGENTINA CONTRA O BRASIL

    Quando esteve em La Paz e em Potosí, na atual Bolívia, em 1825, Bolívar sentiu-se tentado a expandir sua revolução libertadora ao sul do continente. E, por pouco, quase invade o Brasil.

    O convite foi dos argentinos (das então chamadas Províncias Unidas do Rio da Prata), que queriam seu apoio para lutar contra o Império do Brasil na chamada Guerra da Cisplatina (1825-1828), em que ambos os países disputaram o território que hoje corresponde ao Uruguai.

    "O demônio da glória deve nos levar até a Terra do Fogo! E, na verdade, o que arriscamos?", escreveu Bolívar.

    Porém, ao consultar seu braço-forte em Bogotá, Francisco Santander, que chefiava então a Gran Colombia, Bolívar se convenceu de que a empreitada poderia resultar em fracasso.

    Além da grave crise econômica que se instalara após as lutas de independência, surgiram diversos conflitos políticos na cúpula revolucionária.

    Santander pedia a presença de Bolívar em Bogotá em caráter de urgência e alertava para o fato de que aquele não era o momento oportuno para arrumar uma briga com um outro império.

    "Bolívar custava a resignar-se às limitações concretas de seu projeto utópico. Além de tudo, era vaidoso, e a possibilidade de outra guerra e outro triunfo sempre o seduziram", resume a biógrafa Marie Arana.

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