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    CRÍTICA

    'O Diário de uma Camareira' revê o passado com olhar moderno

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    03/09/2015 02h36

    Os vestidos, os cenários e a recriação detalhista de época dão a primeira impressão de que "O Diário de uma Camareira" é mais um daqueles filmes históricos feitos para satisfazer o espectador com fascínio decorativo.

    Dramas ambientados no passado são uma constante na obra do diretor francês Benoît Jacquot. Por isso, não surpreende o interesse do cineasta em filmar uma história já levada ao cinema antes por monstros sagrados do porte de Jean Renoir (numa adaptação satírica em 1946) e Luis Buñuel (numa apropriação fetichista em 1964) sem temer inevitáveis comparações.

    Mas as qualidades desta terceira adaptação do romance de Octave Mirbeau, publicado em 1900, não se resumem à fidelidade maior ao texto original. Como se trata de uma releitura, seu interesse depende de como o cineasta revela aspectos subjacentes e projeta o livro no presente.

    Divulgação
    foto do filme "Diário de uma Camareira", com a Léa Seydoux
    Léa Seydoux em "O Diário de uma Camareira"

    O tema social da exploração e da revolta, fundamento do livro do escritor e polemista francês, ressurge conectado a questões de fundo político não apenas francês.

    O filme conta o percurso de Célestine (Léa Seydoux), jovem empregada que consegue um posto numa casa aburguesada. Lá, passa a ser submetida à mesquinhez da patroa e ao assédio do patrão, enquanto observa a revolta reprimida e a subserviência calada dos outros empregados.

    O material original tinha como principal intenção denunciar a crueldade da luta de classes, enfatizando o poder escravizador da burguesia sobre seus domésticos.

    Jacquot não descarta essa possibilidade, mas a trata de modo caricatural, mostrando a patroa tal como a rainha má da Branca de Neve.

    O foco da releitura, no entanto, não se limita ao tema da opressão e se interessa também pelos efeitos distorcidos da repressão.

    A servidão voluntária de Célestine emerge como um modo de compensar uma sexualidade insatisfeita, enquanto o antissemitismo de Joseph (Vincent Lindon) revela uma perturbação que se descarrega contra o primeiro alvo que lhe aparece.

    Depois de mostrar a Revolução Francesa do ponto de vista de uma criada de Maria Antonieta no formidável "Adeus, Minha Rainha" (2012), não é por acaso que o cineasta escolheu a mesma atriz, Léa Seydoux, para o papel de camareira.

    O intervalo de um século entre aquela história e esta reafirma a vigência da fórmula "algo deve mudar para que tudo continue como está", célebre sentença de "O Leopardo".

    Apesar de ambientado no início do século passado, "O Diário de uma Camareira" de fato ausculta um presente em que o cultivo do ódio volta à normalidade, como se a história não fosse mais que uma maldição pronta a se repetir.

    DIÁRIO DE UMA CAMAREIRA (Journal d'une femme de chambre)
    DIREÇÃO Benoît Jacquot
    ELENCO Léa Seydoux, Vincent Lindon
    PRODUÇÃO França/Bélgica, 14 anos, 2015
    QUANDO estreia nesta quinta (3)
    AVALIAÇÃO bom

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