• Ilustrada

    Thursday, 25-Apr-2024 17:53:39 -03

    CRÍTICA

    Forte e atual, Adorno flagra as contradições do presente em livro

    MARIO SERGIO CONTI
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    05/09/2015 02h15

    O que valia mais para Theodor W. Adorno (1903-1969) era o aqui e o agora. Ele não só analisou o socialismo soviético, o fascismo alemão e o american way of life, dos quais escapou por pouco, como viu o nexo entre eles na formação da civilização contemporânea –aquela dos homens ocos e da sociedade lacerada.

    "Ensaios sobre Psicologia Social e Psicanálise" permite aquilatar a atualidade do pensamento do próprio Adorno, tal como exposto em ensaios de meados do século passado. Como Freud perdeu uma parte substantiva da sua relevância cultural nas últimas décadas, seria presumível que o livro dissesse pouco ao presente.

    Reprodução
    ORG XMIT: 351601_0.tif O filósofo alemão Theodor W. Adorno. (Reprodução)
    O filósofo alemão Theodor W. Adorno

    Longe disso. Adorno continua forte. Ele abre brechas nas muralhas do pensamento automático e flagra as contradições irresolvidas do presente. Assim como mitos e deuses gregos (Édipo, Eros etc.) rejuvenesceram devido ao sentido novo que Freud lhes atribuiu, a psicanálise readquire teor subversivo nas sondagens de Adorno.

    Isso ocorre com dois movimentos. O primeiro se dá na Viena dos anos 1920, quando Adorno retém o gume antiacadêmico da psicanálise, o primado que ela confere ao inconsciente e a atração que exerce sobre as vanguardas política e artística.

    O segundo movimento é feito nos Estados Unidos do pós-guerra, período em que a psicanálise ganha respeitabilidade e se institucionaliza. É a hora na qual Adorno critica a bancada vienense, os revisionistas que "sublimam a própria psicanálise" e fazem com que se torne "aceitável universalmente".

    É sem psicologizar a sociedade, e sem sociologizar os indivíduos, que Adorno critica a psicanálise. Para ele, "a humanidade fracassou na formação de um sujeito social total e racional". Apoia-se em Nietzsche ("a insanidade é algo raro no indivíduo –mas em grupos, partidos, povos, épocas, é a regra") para penetrar o presente.

    Faz isso quando defende a negativa do criador da psicanálise em reconciliar o homem e a sociedade: "A grandeza de Freud, tal como a de todos os pensadores burgueses radicais, consiste em que ele deixa contradições irresolvidas e recusa a pretensão a uma harmonia sistemática".

    Adorno critica até a liberação sexual. Ele a vê como "aparência" e "integração" à ordem do capital.

    O sexo foi integrado, afirma ele, "tal como a sociedade burguesa se assenhorou da ameaça do proletariado ao cooptá-lo". Parece que está escrevendo sobre o Brasil dos beijos gays em horário nobre, dos governos petistas e de transgêneros em todas as paradas.

    Também poderia se referir ao Brasil dos dias de hoje quando analisa o discurso dos pregadores evangélicos, dos fascistas e dos incitadores da turba, os "rabble-rousers". O objetivo desses últimos, diz, é transformar indivíduos em turba, em "multidões tendentes à ação violenta sem nenhum fim político sensato, a criar a atmosfera do pogrom".

    A introdução aos ensaios, de Christian Lenz Dunker, é circunstanciada e abrangente. Mas fica o lembrete que é difícil ler Adorno. Ele é denso e dialético, requer a atenção plena do leitor. O esforço compensa: o mundo contra o qual pensou é o nosso.

    ENSAIOS SOBRE PSICOLOGIA SOCIAL E PSICANÁLISE
    AUTOR Theodor W. Adorno
    TRADUÇÃO Verlaine Freitas
    EDITORA Unesp
    QUANTO R$ 48 (240 págs.)

    MARIO SERGIO CONTI é apresentador do programa "Diálogos", da GloboNews, e autor de "Notícias do Planalto" (Companhia das Letras)

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024