A banda Vitrola Sintética está no vermelho. Enquanto ajusta os cadarços do tênis, Otavio Carvalho –baixista e o tesoureiro do grupo paulista de MPB– conta que, desde quando começaram a tocar juntos, em 2006, o quarteto formado por ele, Rodrigo Fuji, Felipe Antunes e, mais recentemente, Marcelo Bonin poupa R$ 200 ao mês para custear a própria música.
As economias foram embora na produção de "Sintético", o terceiro álbum da banda, lançado em junho de maneira independente. O disco levou o grupo às finais do Grammy Latino na categoria revelação, à qual também concorre Tulipa Ruiz, com o álbum "Dancê".
A cantora e o grupo quase anônimo (o vídeo mais visto no YouTube tem pouco mais de 5.000 visualizações) são os únicos brasileiros em uma das principais categorias da Academia Latina da Gravação, e concorrem com mais oito indicados, de países como México e Colômbia.
Passada quase uma semana de quando souberam da indicação –o guitarrista Rodrigo Fuji estava no carro e avisou os parceiros num áudio de WhatsApp ("fomos indicados, porra!")– a banda processa a notícia com surpresa, mas pouco entusiasmo.
Moacyr Lopes Junior/Folhapress | ||
Otavio (no fundo), Rodrigo e Felipe Antunes (dir.), do Vitrola Sintética, em estúdio no Sumaré, zona oeste de São Paulo |
"Muda tudo e não muda nada, porque a gente está fazendo as mesmas coisas", diz o vocalista e compositor Felipe Antunes, no quintal que fica ao lado do estúdio onde o Vitrola grava, no Sumaré, zona oeste de São Paulo.
As "mesmas coisas" são o pós-doutorado de Antunes em engenharia de materiais; os projetos paralelos e a confecção de Fuji em Bragança Paulista; e as trilhas e edições de áudio de Otavio Carvalho.
E o que a banda espera que mude, claro, é sua projeção –por ora, só tem dois shows marcados, um de graça, em 10/10, no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, e outro em Bragança Paulista (a 85 km da capital paulista), onde nasceram, no dia 24.
Entrar na lista do Grammy era algo fora do horizonte até o amigo Felipe Tichauer, engenheiro de som e dono de um estúdio em Miami, inscrever, por que não, o Vitrola.
"Quando trabalho em um disco ou ouço algum que acho legal, inscrevo", conta Tichauer, que mixou "Sintético" e que é membro da Academia há 16 anos –só integrantes podem submeter trabalhos à avaliação de outros membros.
Ele também submeteu "Dancê", de Tulipa, ao crivo dos colegas votantes.
Ainda que inesperada, a indicação do Vitrola, para o afiliado, se deve à sorte de o álbum ter caído no gosto dos membros da agremiação.
"Não é um concurso de popularidade, de quem é mais famoso ou mais vendeu", comenta. "A Academia precisa ouvir todos os discos. Às vezes, nos surpreendemos quando a música fala mais alto."
Ao telefone, o produtor Alexandre Kassin, um dos mais requisitados do país e espécie de conselheiro do Vitrola Sintética, esboça uma risada ligeira do outro lado da linha, quando perguntado das qualidades do disco. "Ajudei muito pouco, só ajudei a reafirmar que aquilo estava bom."
"Considerando que o Grammy é uma coisa dos profissionais da indústria fonográfica, não surpreende. O que chamou a atenção, o sabor que quem trabalha com isso percebe, é como eles gravaram o disco, a captação,os arranjos", afirma Kassin.
O "disco de canção" –como Tulipa Ruiz define o trabalho dos colegas– é detalhista, com cada instrumento gravado separadamente. Sem pressa, semana a semana, ao longo de quase um ano.
Ouça "Sintético", do Vitrola Sintética —também indicado ao Grammy na categoria engenharia de som