A sobrecarga dramática que deu sustentação aos cinco longas do francês Xavier Beauvois não prenunciava a guinada satírica que o diretor adota em "O Preço da Fama".
Aqui, trata-se de reconstituir o sequestro do caixão de Charles Chaplin, um fato registrado dois meses após a morte do astro, no Natal de 1977, mas que Beauvois não trata como reconstituição histórica fiel e enfadonha.
De fato, em março de 1978, um polonês e seu colega búlgaro se improvisaram como ladrões de defunto com o objetivo de levantar capital para abrir uma oficina mecânica.
"O Preço da Fama" reinterpreta esse "fait divers" já nas primeiras notas da música de Michel Legrand, que deslocam a faceta criminal do acontecimento para a fantasia.
O reencontro de Osman (Roschdy Zem), um imigrante argelino, com Eddy (Benoît Poelvoorde), um trapaceiro belga que acaba de sair da prisão, é acompanhado com desconfiança por Samira (Séli Gmach), filha de Osman.
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Os atores Benoît Poelvoorde (esq.) e Roschdy Zem em cena do filme "O Preço da Fama" |
Se a menina, que vive com o pai num trailer (como Chaplin e Paulette Godard em "Tempos Modernos"), reage com temor à aproximação de um ex-detento, logo sua curiosidade de criança é atraída pelo temperamento desligado da realidade de Eddy, que o rosto-máscara de Poelvoorde torna irresistível.
O filme explora as semelhanças entre a situação precária em que vivem Osman e Eddy e o status marginalizado de Carlitos. Se Chaplin era na realidade um milionário que vivia numa mansão, a imagem do personagem que ele eternizou é a do excluído.
Beauvois, no entanto, evita reiterar esse parentesco mimetizando o estilo visual de Chaplin ou falsificando uma estética passadista. Ele prefere evocá-la por meio dos atores, que se inspiram no espírito chapliniano para nos fazer acreditar que o mundo é um lugar de ordens que precisam ser desfeitas.