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    Documentário refaz travessia do poema 'Morte e Vida Severina'

    GABRIELA SÁ PESSOA
    DE SÃO PAULO

    24/10/2015 20h00

    A primeira frase que o jornalista Gerson Camarotti diz a respeito de seu primeiro documentário – "Morte e Vida Severina - 60 Anos Depois", a ser exibido pela GloboNews neste sábado (24)– é uma declaração de amor ao mais famoso poema de João Cabral de Melo Neto.

    "É o livro de minha vida", diz, cruzando as pernas ao se sentar numa poltrona no prédio da TV Globo, em São Paulo. "É o livro de minha vida."

    Pernambucano, Camarotti visitava os sítios dos parentes na região da zona da mata. Acabou por repetir uma experiência de João Cabral: chegavam aos ouvidos de ambos as histórias dos sertanejos, Severinos, que atravessavam o Estado deixando a seca para trás, indo em busca do mar, do Recife.

    Morando em Brasília há 20 anos –onde cobre os bastidores do poder– o jornalista voltou à terra de sua formação em busca dos personagens cabralinos. Inspirado pela efeméride das seis décadas da escrita do poema, ele seguiu com a jornalista Cristina Aragão, codiretora do documentário, o curso do rio Capiberibe.

    Divulgação
    Família entrevistada no documentário "Morte e Vida Severina", de Gerson Camarotti e Cristina Aragão, da GloboNews
    Família entrevistada no documentário "Morte e Vida Severina", de Gerson Camarotti e Cristina Aragão

    Refizeram juntos a travessia de Severino, personagem que guia o livro e os guiou, mas em sentido inverso: da foz à nascente do Capiberibe. Para facilitar a logística, a viagem de mais de 1.200 km começou no Recife e terminou no município de Ouricuri.

    EXPLOSÃO

    "Todo mundo se perguntava muito o que é que íamos encontrar. A condição severina permanece igual, mas tem mudanças", conta Camarotti. "O jovem hoje tenta ter alguma esperança. Há 20 anos, um jovem queria ser cortador de cana. Hoje, a menina sonha em ser médica. O sonho é uma coisa muito forte."

    Nessas esperanças –como a de uma garota que vivia em uma palafita sobre o Capibaribe e sonhava em ser designer de interiores– os documentaristas acabaram encontrando ecos da poesia cabralina, que deságua numa explosão de vida. O poeta, como lembra Camarotti, era dos que defendiam que a vida, mesmo severina, merecia ser vivida.

    É como versa o poema, em suas estrofes finais, defendendo a resistência frente à miséria: "Não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida:/ vê-la desfiar seu fio,/ que também se chama vida".

    SURPRESA

    A parceria entre Cristina Aragão e Gerson Camarotti acabou por reproduzir a dicotomia que sustenta o poema –morte e vida, a miséria e a esperança do migrante.

    "Eu procurei a morte [ao voltar], tinha ideia do que tinha vivido", conta o repórter, que diz ter visto, há duas décadas, a fome em seus extremos devorar famílias no sertão. "A Cris procurou muito a vida. Foi um casamento perfeito, porque equilibrou."

    Nascida no Rio, Aragão desconhecia o sertão até embarcar no projeto. Encontrou na aridez uma força que, afirma, "é difícil até de descrever".

    "A força da natureza, o calor, a resistência das pessoas. Vimos muita pobreza, mas vimos também a vida se impondo pela educação, pelo estudo", ela conta.

    Esteticamente, o documentário tenta reproduzir o olhar fresco para a paisagem sertaneja, assim como o da diretora. Camarotti e Aragão dizem ter buscado fugir dos clichês visuais sobre o sertão –segundo eles, geralmente retratado em uma fotografia que mostra a força do sol, uma luz "estourada".

    Escolheram privilegiar as cores (das casas, das flores que resistem sobre a seca) e em detalhes; a brevidade de um gesto de um entrevistado, usinas de cana ainda se impondo sobre os canaviais da zona da mata.

    No filme, a voz do ator Jesuíta Barbosa ("de um um sotaque agrestino", segundo Camarotti) recita trechos de "Morte e Vida Severina" –poema que, para a surpresa dos documentaristas, era desconhecido da maioria das pessoas com que cruzaram.

    Tentaram resolver a pendência distribuindo exemplares do livro, que os acompanharam durante toda a viagem, aos entrevistados. E quem sabe não o consigam de novo agora, desta vez com o espectador que, porventura, ainda não tenha atravessado os versos de João Cabral e se interesse pelo poema.

    NA TV
    "Morte e Vida Severina - 60 Anos Depois"
    QUANDO neste sábado (24), às 20h50, na GloboNews

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