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    CRÍTICA

    '45 Anos' firma talento de cineasta para tratar frivolidade de emoções

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    29/10/2015 02h45

    Os filmes de Ingmar Bergman ensinaram que, às vezes, bastam um par de sólidos intérpretes e uma direção com foco para produzir cinema de primeira grandeza.

    O britânico Andrew Haigh retoma essa lição do mestre sueco em "45 Anos", premiado com o Urso de Ouro de melhor atriz e ator para Charlotte Rampling e Tom Courtenay no Festival de Berlim deste ano.

    O longa narra os dias que antecedem a festa dos 45 anos de casamento de Kate e Geoff, um casal que vive tranquilamente a maturidade.

    A chegada de uma carta que relata a descoberta do cadáver de uma jovem desaparecida há muito tempo introduz a crise na estabilidade do casal.

    A morta havia sido o primeiro amor de Geoff. A reaparição desse fantasma coloca Kate em estado de dúvida e insegurança, e o ciúme entra em cena para envenenar o período de renovação de felicidades.

    Divulgação
    45 Anos - Filme 2015
    Tom Courtenay e Charlotte Rampling em "45 anos"

    A ilusão do amor eterno ou ao menos de uma estabilidade conferida pelos 45 anos sem maiores turbulências são perdidos num instante. A indisposição de Kate aumenta à medida em que se aproxima o dia da festa, e o comportamento oscilante de Geoff em relação ao assunto intensifica seu desconforto.

    O tratamento de Haigh, 42, prioriza o lugar da mulher, associa a perspectiva do espectador à subjetividade dela e só esboça os sentimentos de Geoff.

    De certa maneira, este longa inspira-se diretamente em "Cenas de um Casamento", o épico da intimidade de um casal realizado por Bergman em 1973. No lugar do anúncio de uma amante que desfazia a ordem no filme do diretor sueco, "45 Anos" explora o impacto da revelação de um fantasma.

    A ressurgência desse fator guardado no passado de Geoff e fora do alcance de Kate dá ao filme sua força ao captar as variações de um sentimento incerto e indefinível, mais abstrato que palpável.

    Em vez de representá-lo por meio de diálogos ou crises, Haigh prefere captá-lo nas interpretações de mil nuances de Rampling e Courtenay.

    "45 Anos" também confirma o talento de Andrew Haigh, diretor jovem que chamou a atenção com seu segundo longa, o drama gay "Weekend" (2011), no qual já se percebia a capacidade para expor a desordem dos afetos.

    Sua participação como roteirista de cinco e diretor de dez episódios da série "Looking", também centrada no universo gay, reafirmaram sua vocação para retratar a insatisfação da superficialidade emocional e a melancolia contemporânea em contraste com a abundância do hedonismo.

    Agora, Haigh se distancia da especificidade para abarcar uma geração mais velha e menos disposta à intermitência. O que consegue é tornar sua percepção mais universal.

    45 ANOS (45 years)
    DIREÇÃO Andrew Haigh
    PRODUÇÃO Reino Unido, 2015, 12 anos
    QUANDO estreia nesta quinta (29)

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