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    Historiador reconstrói 300 anos de perseguição a judeus em São Paulo

    SYLVIA COLOMBO
    EM BUENOS AIRES

    07/11/2015 02h20

    Quando se fala em Inquisição, a imagem mais genérica que surge é a de um brutal tribunal instalado numa longínqua Europa medieval, mandando queimar feiticeiras e punindo hereges, mais ou menos como em "O Nome da Rosa", filme de 1986 baseado na obra de Umberto Eco.

    "Cristãos-Novos em São Paulo", do historiador Marcelo Meira Amaral Bogaciovas, mostra, porém, que essa sombria realidade fez parte, por muito tempo, da história de São Paulo –mais precisamente entre 1536 e 1821.

    Num minucioso levantamento genealógico e estudo de outros documentos de época, o livro mapeia a trajetória de famílias de cristãos-novos (judeus forçados à conversão) perseguidas e descreve o comportamento do tribunal com relação aos condenados.

    "A atuação da Inquisição em São Paulo deixou sequelas até os dias de hoje. As pessoas em geral ainda se sentem ultrajadas ao serem chamadas de 'cristãs-novas'. Isso porque, na época, criou-se um ambiente de constante temor à punição, de delação e vigilância, parecido com o de uma ditadura", diz o historiador, em entrevista à Folha.

    Victor Moriyama/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL. 05/12/2012. A Sinagoga Kehilat Israel é a mais antiga do Estado de São Paulo e está comemorando 100 anos. Junto a comemoração será inaugurado o Memorial da Imigrante Judaica que possui peças históricas doadas pela comunidade. Foto: Livro impresso no tempo da inquisição, tambem integra o acervo de objetos. (Fotos: Victor Moriyama/Folhapress, COTIDIANO) *** FOTO EM ARTE E NÃO INDEXADA ***
    Livro do séc. 18 no acervo da sinagoga Kehilat Israel, em SP

    O livro reconstrói o início desse processo, quando os reis católicos espanhóis, em 1492, obrigaram judeus que não queriam se converter a deixar o país. Portugal primeiro acolheu essa população, mas, em 1497, impôs o batismo forçado. Muitos decidiram vir ao Novo Mundo e, apesar de atuarem como cristãos fora de casa, do lado de dentro seguiam com seus ritos e costumes.

    Além da constante ameaça de serem acusados de "práticas judaizantes", no Brasil os cristãos-novos tinham de pagar impostos exclusivos e estavam afastados de certos cargos públicos.

    "A Inquisição atuou no Brasil como em outros lugares, como uma 'joint venture' entre Igreja e Estado –quem acompanhava os condenados de São Paulo até serem embarcados para Lisboa eram os jesuítas", afirma o historiador.

    Era comum, também, que fossem presos e enviados a Portugal os acusados de bigamia. "Nesse sentido, a correspondência entre parentes ajudava muito. Era um universo menor de gente. Naquela época, dificilmente seria possível alguém mudar de país e ficar anônimo. Casamentos, encontros, trocas de parceiros eram noticiados entre os parentes. E a Inquisição vigiava tudo isso."

    Uma vez presos em São Paulo, os acusados pelo tribunal eram embarcados com destino a Lisboa, onde ocorriam os interrogatórios, muitos sob tortura. "Faziam com que falassem do modo mais cruel possível, pois não diziam de que estavam sendo acusados. Esperavam meses até que a pessoa se delatasse e passasse a apontar parentes."

    Segundo Amaral, cerca de 2.000 pessoas foram detidas no Brasil e enviadas a Lisboa. Quem não morria devido às torturas ou punições era abandonado à sua sorte na capital portuguesa. "Ficavam pelas ruas –muitos enlouqueciam, outros viravam pedintes."

    O trabalho foi inicialmente apresentado como tese de mestrado na Universidade de São Paulo, com orientação da professora Anita Novinsky. Agora, surge em versão para o mercado, com apresentação da historiadora Mary Del Priore.

    CRISTÃOS-NOVOS EM SÃO PAULO
    AUTOR Marcelo Meira Amaral Bogaciovas
    EDITORA Asbrap
    QUANTO R$ 50 (480 págs.)
    LANÇAMENTO sáb. (7), com simpósio às 9h e sessão de autógrafos às 16h20, no mosteiro de São Bento (lgo. São Bento, s/nº)

    Edição impressa

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