Em 2011, a obra do escritor nova-iorquino Nathanael West (1903-1940) tornou-se domínio público. O fato tem estimulado novas traduções das suas obras —no Brasil, saiu "O Dia do Gafanhoto" ("The Day of the Locust", de 1939), em edição que inclui poema, contos e ensaios de West.
Em termos de enredo, o romance é simples: Tod Hackett, um pintor com formação em Yale e pretensões artísticas, vai trabalhar em Hollywood, desenhando figurinos e cenários para filmes banais. Ali, envolve-se com Faye Greener, uma "starlet" inescrupulosa de 17 anos. Filha de um palhaço fracassado, Faye é amada e sustentada por um grandalhão tão generoso quanto submisso, de nome Homer Simpson.
Vários viram em Faye uma Lolita antes da Lolita de Nabokov, que só viria à luz 16 anos depois, mas não será essa a razão pela qual a obra costuma ser considerada a melhor já escrita sobre Hollywood.
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Cartaz de "O Dia do Gafanhoto", longa de 1975 |
Seu encanto reside em dois aspectos dependentes do domínio estilístico de West. Primeiro, as comparações metafóricas que pontuam a obra, de modo tão sistemático, com humor e imaginação surreal.
Abro o livro ao acaso e leio: "Nada poderia magoá-la. Era como uma rolha de cortiça. Não importava quão tumultuado estivesse o mar, ela dançaria em cima das mesmas ondas que afundam os mais sólidos navios de ferro e aniquilam atracadouros de concreto reforçado".
O segundo aspecto está na precisão das écfrases, isto é, nas descrições das imagens que o narrador constrói a partir do que Tod vê, pinta, imagina ou ouve. Diante de uma peça de Bach, anota: "O Deus convidado não é o Rei dos Reis, mas um tímido e gentil Cristo, uma donzela cercada de outras donzelas, e o convite em si é para uma festa no jardim do quintal de uma casa de respeito, não para o lar de um pecador fatigado e crispado pelo sofrimento".
No final, a écfrase funciona como uma metáfora feita de eventos. Uma cena ideada por Tod para um quadro que vinha pintando sob o título de "O Incêndio de Los Angeles" finalmente ocorre, mas não no quadro e sim na vida real. O acabamento da tela não vem na forma da pintura, mas do movimento espantoso da multidão que vai de um estado de histeria coletiva, à espera do surgimento de alguma celebridade na porta de uma avant-première, aos espasmos e convulsões de um linchamento.
A catarse esboçada pelo pincel precipita-se na catástrofe irreversível dos eventos. O que supunha dever a seu talento era apenas o aroma de destruição exalado por vidas anônimas impregnadas de tédio, vazio e desespero, excitadas pelas epopeias fingidas dos anúncios publicitários e manchetes de tabloides.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Unicamp.