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Ilustrada
Thursday, 21-Nov-2024 21:33:04 -03CRÍTICA
Filme 'Spotlight' expõe entranhas da religião e da imprensa
OTAVIO FRIAS FILHO
DIRETOR DE REDAÇÃO07/01/2016 02h10
A investigação jornalística retratada no filme "Spotlight - Segredos Revelados" foi o que deu visibilidade ao pesadelo subterrâneo dos abusos sexuais contra crianças praticados por sacerdotes católicos. Antes havia denúncias esparsas, sempre refutadas pela igreja.
As primeiras reportagens da série publicada em 2002 pelo jornal "The Boston Globe" implicavam 70 padres na cidade, que abriga uma das maiores comunidades católicas dos Estados Unidos. Essa cifra logo se multiplicou, conforme casos semelhantes passaram a irromper em toda parte.
Em 2014, o Vaticano alegava haver aplicado sanções contra cerca de 3.500 religiosos nos últimos dez anos (quase 1%, num universo de 400 mil); os papas anterior e atual amontoaram pedidos de desculpas. O assunto é dramático para a instituição porque os crimes não se restringiam aos abusos cometidos, em geral por padres que cativavam meninos em situação familiar vulnerável.
Como atestaram as reportagens da equipe investigativa do jornal (chamada "spotlight", holofote), um meticuloso esquema de acobertamento dos delitos e proteção dos infratores era mobilizado por superiores hierárquicos, no caso de Boston por seu infame arcebispo, o cardeal Bernard Law, que renunciou em dezembro de 2002.
Parece óbvio que uma parcela de sacerdotes mantém alguma vida sexual, o que deve favorecer certo "silêncio obsequioso" na corporação. Além disso, embora as estatísticas não sejam conclusivas ao comparar a prática de crimes sexuais por adultos leigos e religiosos, é de se imaginar que uma profissão que recruta celibatários e lhes confere poderes supostamente mágicos corre o risco de atrair indivíduos propensos a distúrbios como a pedofilia.
O filme que o diretor Tom McCarthy fez da persistente apuração levada a cabo pelo "Globe" é sóbrio, cinzento como uma tarde bostoniana (dispensável o piano um tanto pernóstico da trilha). Em meio às inevitáveis cenas de jornalismo explícito (anotações frenéticas, portas batidas na cara de repórteres etc.), uma aura de suave heroísmo banha a equipe do jornal.
O adversário aqui não é uma ditadura sanguinária, mas a melíflua e sufocante influência que a igreja irradia sobre Boston e que se faz sentir dentro mesmo de seu principal periódico, onde muitos editores provêm de tradicionais famílias católicas.
Foi devido à obsessão de três forasteiros –um editor-executivo judeu, um repórter de origem portuguesa e um advogado armênio– que se rompeu o circuito da inércia acomodatícia, quando o jornal, depois de tatear às cegas, decide enfim aprofundar a investigação dos indícios de abuso.
Esse aspecto do filme dissolve o maniqueísmo latente. Denúncias contra padres e bispos haviam sido recebidas antes pelo "Globe" e registradas em notas despercebidas, quando não sumiram no buraco negro que existe em toda Redação, feito de falta de tempo, recursos, paciência e incentivo para quebrar o hábito. Demorou para a notícia ser percebida, mas sua repercussão ainda ecoa.
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