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    Manguebeat é base de peça que revive a ideia do 'caranguejo com cérebro'

    GUSTAVO FIORATTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    16/02/2016 02h37

    Aquela mistura suja de maracatu, guitarras e letras sobre lama e urubus não foi a única herança do manguebeat. Resta ainda, do movimento pernambucano iniciado nos anos 1990 com Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e outros, um mito zoomórfico todo esquisito e bem brasileiro: o do homem-caranguejo.

    Figura de garras, anda de lado e agora ocupa o centro da peça "Caranguejo Overdrive", da carioca Aquela Cia. de Teatro. O espetáculo retoma a ideia de um "caranguejo com cérebro" que apareceu no manifesto publicado por Fred Zero Quatro, líder da Mundo Livre S/A, em 1992.

    Nascido do fértil encontro da água doce com a salgada, o herói-crustáceo protagoniza uma história repleta de caminhos movediços, narrada por cinco atores e três músicos no palco do Sesc Pinheiros a partir desta terça (16).

    Sob direção de Marco André Nunes, a companhia criou o personagem Cosme, interpretado pelo ator Matheus Macena, um catador de caranguejos de épocas bem anteriores ao manguebeat. Em 1868, ele se torna combatente do exército na Guerra do Paraguai, mas é liberado após ser acometido por uma crise de loucura no campo de batalha.

    Elisa Mendes/Divulgação
    O ator Fellipe Marques em cena da peça 'Caranguejo Overdrive', da Aquela Cia. De Teatro

    Depois do episódio, vai viver no Rio de Janeiro. Por que no Rio e não no Recife? Segundo Pedro Kosovski, autor do texto do espetáculo, o grupo preferiu retratar um ambiente com o qual se sentia mais familiarizado. Além disso, havia à mão o fato de que o Rio também teve sua região de mangue. "Ela foi aterrada em um processo de urbanização no século 19."

    Com o deslocamento, ainda, diz Kosovski, o grupo também conseguiu criar uma situação híbrida, em que fatos históricos são apresentados sob o foco de uma narrativa toda ficcional. "O que cria a confusão é esse personagem que não existiu, mas que está em uma circunstância documental", diz o autor.

    Sua pesquisa recorre ainda a duas gêneses do homem-caranguejo. Kosovski lembra que, em episódio bíblico, o homem também nasce do barro, o que ganha menção na peça, tornando-o uma espécie de Adão do mangue.

    Mas a fonte mais presente entre os diálogos é a obra do médico, geógrafo e escritor Josué de Castro, frequentemente mencionado pelo movimento manguebeat.

    Em 1966, no prefácio para o romance "Homens e Caranguejos", Castro já falava da "lama dos mangues do Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo".

    A peça cria, com tanta referência, um rococó caótico. Musicada na pegada dos ícones pernambucanos, vai ficando cada vez mais maluca. No Rio, Cosme passa a se relacionar com prostitutas e poetas, envolve-se em disputas políticas, até que é apanhado por uma tempestade e se torna uma entidade espiritual.

    Apresentado no Rio de Janeiro, no ano passado, o espetáculo concorre em quatro categorias do Prêmio Shell (melhor direção, texto, ator e atriz).

    CARANGUEJO OVERDRIVE
    QUANDO ter., qua. e qui., às 21h; até 10/3
    ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
    QUANTO R$ 7,50 a R$ 25
    CLASSIFICAÇÃO 16 anos

    Edição impressa

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