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    Oscar 2016

    crítica

    Brie Larson carrega com garra e leveza longa 'O Quarto de Jack'

    TETÉ RIBEIRO
    EDITORA DA "SERAFINA"

    18/02/2016 02h04

    "O Quarto de Jack" é um filme delicado e profundo, com uma premissa monstruosa. Uma jovem vive há sete anos trancafiada em um quarto mínimo, com o filho que teve com o homem que a sequestrou, a mantém refém e a estupra regularmente. No aniversário de cinco anos do menino, ela decide contar grande parte da verdade a ele e planejar uma fuga.

    O contraste entre a doçura da primeira parte, a que se passa no cativeiro e devia ser terrível, e a crescente dificuldade da segunda, a que prometia ser cheia de realizações, é o trunfo desta trama.

    O filme é uma das grandes surpresas do ano, um "Boyhood" às avessas, e vem conquistando crítica, público e prêmios desde sua estreia, nos festivais de cinema de Telluride, quase só para a indústria, e o de Toronto, que o transformou em fenômeno, ambos em setembro do ano passado.

    Brie Larson, a atriz principal, que vive Joy, a mãe sequestrada, já ganhou o Globo de Ouro, o Bafta e o prêmio do Sindicato dos Atores, entre muitos outros. É a favorita ao Oscar de melhor atriz.

    "O Quarto de Jack" concorre a outros três prêmios da Academia, melhor filme, direção, para Lenny Abrahamson (de "Frank") e roteiro adaptado.

    O menino que interpreta o filho, o canadense Jacob Tremblay, tem nove anos. Tinha oito quando viveu Jack, de cinco. Ele é outro ponto forte de um elenco acertado, com Joan Allen no papel da mãe de Joy e William H. Macy como o pai que não consegue encarar o neto como tal.

    FAMÍLIA

    Na vida real, Jacob faz parte de uma dessas famílias que bota todos os filhos para atuar. Ele tem duas irmãs atrizes, uma mais velha, Emma ("Elysium"), e uma mais nova, Erica ("The Killing") –mas quem rouba a cena nos tapetes vermelhos e leva as redes sociais a um frenesi virtual é o pai das crianças, o policial canadense bonitão Jason Tremblay.

    "O Quarto de Jack" é a transposição para o cinema do best-seller "Quarto" (2010), da irlandesa Emma Donoghue, que também assina o roteiro. Ela diz que a ficção não foi exatamente inspirada, mas sim "provocada" por histórias reais de mulheres e crianças mantidas reféns.

    A mais emblemática é a do austríaco Josef Fritzl, que sequestrou sua própria filha e a prendeu no porão de sua casa por 24 anos, de 1984 a 2008, período em que teve sete filhos com ela. Um deles tinha cinco anos quando foi libertado. No livro de Donoghue, é Jack, de cinco anos, o narrador, e é pelos olhos dele que o leitor conhece e desvenda sua história.

    Essa visão inocente dá o tom do começo do filme, em que Joy e seu filho parecem viver uma vida normal. O menino de cabelão enorme dorme na mesma cama da mãe que ele idolatra. Os dois acordam juntos, escovam os dentes e fazem alongamento antes do café da manhã que ela prepara. Ele pode ver TV algumas horas por dia, mas também tem lição de casa. Os dois brincam, constroem coisas juntos, fazem planos e também brigam às vezes.

    Ter filho, de uma certa maneira, é algo parecido com a experiência de Joy e Jack. Você cria uma versão do mundo, deixa a criança saber algumas coisas, esconde outras e faz o que pode para protegê-lo. A mãe do filme sabe que a vida deles é uma aberração, mas, para preservar seu universo inventado, não reage às aproximações do sequestrador e negocia as coisas que quer, escondendo a revolta que sente.

    O garoto nem imagina que exista outro jeito de viver. Tudo que ele conhece é o quarto, para o qual dá bom dia todas as manhãs. O resto está na TV. Ele também não sabe direito quem é o "velho Nick", o homem que traz a comida que eles comem, a roupa que eles vestem, os pune quando está bravo e, algumas noites, dorme na cama de sua mãe.

    Para Jack, aberração será a verdade, quando sua mãe decide que é hora dele saber, para que os dois juntos possam ser cúmplices em um plano de fuga do qual ele não quer participar, mas é obrigado. E estranho mesmo é o resto do mundo, em que ninguém parece satisfeito, sua mãe tem sempre outras coisas para fazer em vez de ficar com ele e, como diz num momento de aflição, "as coisas não param de acontecer".

    O QUARTO DE JACK
    ("Room")
    DIREÇÃO: Lenny Abrahamson
    ELENCO: Brie Larson, Jacob Tremblay
    PRODUÇÃO: EUA, 2015, 14 anos
    QUANDO: estreia nesta quinta (18)

    Edição impressa
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