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    'A Paixão de JL' usa fitas gravadas por Leonilson para narrar fim de sua vida

    ANGELA BOLDRINI
    DE SÃO PAULO

    26/02/2016 02h00

    "Eu fiz o teste mais para tirar uma dúvida. Acho que eu não tenho nada, não", diz o artista plástico José Leonilson, então com 34 anos. Pouco depois, em meados de 1991, o resultado: o cearense radicado em São Paulo era soropositivo.

    O registro de ambos os momentos, da dúvida e do diagnóstico, está em fitas-diário que Leonilson começou a gravar em 1990. Ele só parou de fazê-lo em 28 de maio de 1993, quando a Aids o matou.

    São essas fitas que norteiam "A Paixão de JL", documentário dirigido por Carlos Nader, 51, vencedor dos prêmios de melhor longa-metragem nos festivais É Tudo Verdade e Mix Brasil do ano passado, além do prêmio especial do júri do Festival de Havana.

    Divulgação
    O artista plástico José Leonílson. [FSP-Ilustrada-Acontece-20.08.95]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
    O artista plástico José Leonílson, morto em 1993, aos 36 anos, de Aids

    "Eu já sabia da existência das fitas", diz o diretor Carlos Nader à Folha. Amigo de Leonilson, ele decidiu filmar a história dos últimos anos do artista em 2011, a convite do Itaú Cultural, quando cuidava da curadoria da retrospectiva "Sob o Peso dos Meus Amores", promovida pelo instituto.

    As gravações eram mais um dos projetos de Leonilson, cujas obras são conhecidas por serem confessionais. "Não era um diário secreto, ele queria transformar em alguma coisa. Considero uma espécie de 'parceria póstuma'", afirma Nader.

    No longa, o cineasta sobrepõe o áudio das fitas às obras do artista e a imagens da época. Aparecem os caras pintadas, a Madonna e o jogador norte-americano de basquete Magic Johnson, que também é portador do vírus HIV. Vê-se Leonilson raramente, mas sua voz quase nunca cessa.

    Na primeira parte das gravações, o artista discorre sobre sua solidão, sua vontade de arrumar um namorado, suas inseguranças e seu medo de se revelar gay para a família, além de relatar banalidades do dia a dia.

    O tom melancólico surpreendeu amigos como Nader. "Eu não reconheci o Leo. Ele era um cara bem-humorado, cáustico, de opiniões radicais", conta. "Demorei para entender, mas o cara das fitas se parece muito mais com o cara das obras."

    O filme ganha dramaticidade com o diagnóstico. Só em 1991, quando Leonilson foi diagnosticado com HIV, 4.218 pessoas morreram de Aids no Estado de São Paulo. Freddie Mercury morreria naquele ano. No anterior, a vítima fora Cazuza. "Era praticamente uma sentença de morte."

    "Isso é o pior, como eu vou contar para a minha família?", pergunta-se Leonilson. "Acho que nunca mais vou conseguir arrumar um namorado. Quem é que vai querer namorar um soropositivo?"

    A princípio assintomático, o HIV se transforma em Aids. A saúde de Leonilson piora, mas as fitas continuam, mesmo com o artista acamado, internado no hospital. "Em vários momentos ele reafirma essa coisa de gravar. O único momento que ele para é quando faz o exame. Fica um mês sem registrar nada, mas logo volta", relembra Nader.

    Segundo o cineasta, a "parceria póstuma" com o amigo Leonilson é o encerramento de um ciclo que começou em 2008, com "Pan-Cinema Permanente", sobre o poeta baiano Waly Salomão. "Fiz quatro filmes sobre amigos que morreram e, de certa maneira, o Leo foi o único que não morreu durante o filme".

    Salomão morreu em 2003, cinco anos antes do lançamento do longa. Em seguida, "Homem Comum", de 2014, acompanha o caminhoneiro Nilson por 20 anos, até que adoece. Já em "Eduardo Coutinho, 7 de Outubro", finalizado em 2015, Nader tem longas conversas com o colega de profissão, assassinado pelo filho no ano anterior.

    "O afeto está nos filmes. Foi bom de fazer, mas foi pesado, muito intenso. Agora, estou com vontade de fazer algo mais vital."

    A PAIXÃO DE JL
    QUANDO: EM CARTAZ
    PRODUÇÃO: BRASIL, 2015, 14 ANOS
    DIREÇÃO: CARLOS NADER

    Edição impressa

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