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    CRÍTICA

    Realismo e roteiro bem construído intensificam força de 'Mundo Cão'

    ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/03/2016 02h09

    Depois do notável "Estômago" (2007), o diretor e roteirista paranaense Marcos Jorge fez dois filmes menos felizes. Em "Mundo Cão", retoma a principal característica do primeiro filme, o roteiro bem construído, muito acima da média das produções do cinema brasileiro atual.

    A trama deste drama é simples, mas perfeitamente urdida, cheia de movimentos súbitos, humor negro e um suspense trabalhado com competência. Tudo isso deixa o espectador alerta e exige sua participação.

    Outros aspectos positivos e não muito comuns no cinema comercial daqui são as situações verossímeis –mesmo que surpreendentes–, os personagens e os diálogos que exalam autenticidade.

    Divulgação
    Cena de Lázaro Ramos em "Mundo Cão" ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Lázaro Ramos como um ex-policial que controla o submundo das máquinas caça-níqueis e o garoto Vini Carvalho em cena do thriller 'Mundo Cão'

    Santana (Babu Santana), um funcionário do Departamento de Controle de Zoonoses de São Paulo, recebe a ordem de sacrificar Nero, um agressivo rottweiler de 60 quilos recolhido dias antes.

    Nenê (Lázaro Ramos), o dono do animal, um ex-policial que controla o submundo das máquinas caça-níqueis –apresentado como sádico e sanguinário na cena de abertura–, tenta recuperar o cão, mas chega tarde. Exasperado, promete vingança.

    A história acontece antes de 2008, quando o sacrifício indiscriminado de cães e gatos de rua foi proibido em SP.

    Santana e Nenê são figuras diametralmente opostas. Santana é um trabalhador pacato e dedicado, pai de família de classe média baixa, feliz ao lado da mulher Dilza (Adriana Esteves), dona de casa que faz calcinhas para ajudar no orçamento. Moram na periferia e ele gosta de tocar bateria nas horas vagas.

    Nenê é um mafioso mora numa casa grande, vive rodeado de capangas e dirige uma picape imponente. Cria cães para usá-los para intimidar quem não cumpre suas regras. Gosta mais dos cachorros do que das pessoas. Nenê é palmeirense; Santana é corintiano, mas poderia ser o contrário.

    Essa inversão vai muito além dos clubes de preferência, ela atinge os personagens e seus comportamentos. A violência da vingança tramada por Nenê acaba reverberando do outro lado, assim como Nenê também acaba revelando seu lado dócil.

    Numa sociedade em que a lei é algo relativo, a violência vai além do que se pode constatar superficialmente, ela é mais complexa, insidiosa, aparece onde não se espera. Não é atributo dos "maus", mas algo assombroso que contamina o tecido social. Por isso o título do filme tem mais de uma leitura possível.

    Fundamental para a eficácia dessa história desconcertante é o cuidado com a parte visual. A fotografia de Toca Seabra recria de forma convincente a atmosfera da vida na periferia, o clima eletrizante de uma partida de futebol no estádio do Pacaembu, o cotidiano do canil da prefeitura. Esse realismo só aumenta a força do impacto quando irrompe o imponderável.

    MUNDO CÃO
    QUANDO estreia nesta quinta (17)
    DIREÇÃO Marcos Jorge
    ELENCO Babu Santana, Lázaro Ramos, Adriana Esteves
    PRODUÇÃO Brasil, 2015, 14 anos

    Edição impressa

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