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    Escritora de origem somali aborda a vida das mulheres na ditadura militar

    NATÁLIA PORTINARI
    DE SÃO PAULO

    19/03/2016 03h04

    Aos nove anos, a menina Deqo é punida por errar numa apresentação de dança em um comício do ditador somali Siad Barre. Ela não é a única a sofrer com a repressão da ditadura em vigor em 1987. "O Pomar das Almas Perdidas", de Nadifa Mohamed, narra a dor de três mulheres de diferentes gerações durante o período.

    Após Deqo ser espancada, Kawsar, uma senhora de quase 60 anos, tenta resgatá-la e acaba presa. É igualmente agredida por uma policial, Filsan, que, por sua vez, segue a sina das mulheres da narrativa e sofre em um ciclo de violência em todas as suas formas.

    A guerra civil na Somália (1986-1992) acabou com duas décadas de ditadura militar na região e motivou a migração da família da autora para a Inglaterra na década de 1980.

    "Quis escrever sobre mulheres e pensar em como eu teria sido afetada se tivesse ficado na Somália", diz Nadifa, em entrevista à Folha.

    Divulgação
    Escritora Nadifa Mohamed
    Escritora Nadifa Mohamed

    Seu pai, marinheiro, viajou para o Reino Unido com a família em 1986 e decidiu não voltar. Expatriada desde os cinco anos, Nadifa fez faculdade de história e política na St. Hilda's College, vinculada à Universidade de Oxford, e se tornou escritora.

    O seu primeiro romance, "Black Mamba Boy" (2010), é uma adaptação da biografia de seu pai que, quando jovem, peregrinou o continente africano em busca de sua origem familiar.

    A fórmula de resgate ancestral se repete no segundo livro. Dessa vez, Nadifa adaptou a história da avó, que, assim como Kawsar, quebrou a bacia e ficou paralisada. Após ser atropelada, fica sem assistência durante a guerra.

    O romance aborda os efeitos da ditadura militar na vida das mulheres, vítimas de violências específicas dentro do regime. "Em uma sociedade patriarcal, uma das poucas coisas que as mulheres têm são redes de apoio entre elas. Na Somália, essas relações eram muito fortes. Mas a ditadura destrói qualquer rede que possa desafiar sua autoridade".

    Segundo a escritora, a quebra dessas relações levou muitas mulheres a virarem "espiãs do Estado", denunciando as atividades de suas vizinhas e de suas famílias.

    Isso explica por que personagens como a soldado Filsan perderam seus laços comunitários. "Alguém como ela não é capaz de solidariedade genuína. Talvez ela não tenha sido ensinada a ser solidária, e sim a obedecer e suspeitar dos outros", diz.

    NACIONALIDADE

    Apesar de a Somália ser o cenário de suas obras e estar em seu sangue, Nadifa não se identifica como uma escritora somali –ela se sente inglesa após 29 anos fora do país natal, especialmente porque a Somália hoje é um lugar completamente diferente do que ficou em sua memória afetiva. "Atualmente há mais conservadorismo, mas as mulheres têm mais oportunidades."

    Seu sucesso chegou ao país de origem, no entanto. Segundo a autora, "Black Mamba Boy" é o livro mais encomendado na prisão de Hargeisa, apesar de ainda não estar traduzido para o idioma local.

    Ela agora trabalha no terceiro livro, sobre um marinheiro executado injustamente por um crime que não cometeu. Também é uma história real, que ela ouviu de seu pai.

    O POMAR DAS ALMAS PERDIDAS

    AUTORA: Nadifa Mohamed
    TRADUÇÃO: Otacilio Nunes
    EDITORA: Tordesilhas
    QUANTO: R$ 39,90 (296 págs.)

    Edição impressa

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