No chão de terra seca da fictícia fazenda Piatã, em Olho D'Água do Casado, no sertão de Alagoas, Irandhir Santos anda de um lado para o outro com uma espingarda na mão. Concentrado, repete sozinho as falas de seu personagem Bento, enquanto ouve pelo fone de ouvido o ritmo musical coco, para pegar a cadência das frases.
Da porta principal da casa, Domingos Montagner sai como Santo e atravessa o alpendre, armas em punho, proferindo uma oração a São Jorge.
Tiros de mentira são disparados e os atores começam a gravar, sob direção de Gustavo Fernandez, a cena de "Velho Chico" (Globo) em que Santo sofre tentativa de assassinato. Com "sangue nos olhos" de raiva, Bento dispara, além da arma, uma série de nomes designando o capeta.
"Algumas cenas são bem Sergio Leone", diz Montagner à Folha, referindo-se ao diretor italiano de faroestes como "Era Uma Vez no Oeste".
Logo o clima e a falsa pólvora do bangue-bangue são dissipados e dão espaço ao afeto, elemento central da novela das 21h de Benedito Ruy Barbosa e direção artística de Luiz Fernando Carvalho.
Os atores então protagonizam uma emocionante sequência em que os irmãos agricultores se reconciliam após uma briga.
Nesta nova fase do folhetim, iniciada na segunda (11) com um hiato de 28 anos na trama, Santo e Bento lutarão, cada um a seu modo, por melhores condições de vida para o povo da imaginária cidade baiana de Grotas de S. Francisco.
Caberá a eles enfrentar o poder opressor do coronel Saruê (Antonio Fagundes), pai de Maria Tereza, grande amor de Santo. Os dois acreditam que o oligarca é o responsável pela morte do pai deles, Belmiro (Chico Diaz).
"Santo e Bento serão sempre os grandes antagonistas do coronel e da mentalidade retrógrada que os cerca naquelas paragens. Santo descende de Belmiro, de sua força moral, sua filosofia de vida. Já Bento lembra o Capitão Rosa (Rodrigo Lombardi), com seu posicionamento e ação política", diz o diretor Carvalho.
HERÓI SERTANEJO
Este é o primeiro "herói" de novela das 21h de Montagner. "É difícil ter heróis carismáticos bem construídos", diz.
O ator explica que Santo trabalha por seus ideais, com um discurso "de luz", sem ser panfletário, que foge da vingança. "Ele carrega muito o estigma do sertanejo. São pessoas que vivem a vida que têm, que não se conformam com várias coisas, mas não passam a vida toda lamentando."
O embate dele com o coronel, segundo o ator, não se dá pelo confronto. "Passa por pontos de vista diferentes da própria vida, do que significa convivência, solidariedade, da distribuição igualitária de oportunidades."
Para Montagner, a crítica social em "Velho Chico" tem uma abordagem inteligente ao escolher a via do afeto. "Falamos de questões importantes do país que precisam ser vistas de maneira urgente, mas isso é feito por meio do amor, não do rancor. É um caminho mais eficiente até o coração do público."
VOZ POLÍTICA
Lado a lado com o irmão na busca por igualdade, Bento usará como arma a política, já que também é vereador.
"Ele primeiro busca a abertura dos olhos das pessoas em relação a seus direitos, falando do que podem obter coletivamente. Vai contra o individualismo, dizendo: podemos, conseguimos", fala o pernambucano Irandhir, estreante em novela das 21h.
O diretor Carvalho afirma que o discurso político de Bento segue a fé e a esperança. "Ele encontrará um caminho completamente novo dentro do lamaçal atual."
Nessa luta, terá atitudes mais extremadas, ao contrário de Santo. "É um cara de uma razão incrível na hora de suas batalhas e discursos, mas cujas cicatrizes não foram bem sanadas. E quando tocam nelas, ele explode", conta Irandhir. Ainda mais se mexerem com sua família.
Para Domingos Montagner, é importante a novela mostrar essa união familiar, os irmãos que não se traem, em um momento de crise no país. "Propaga um tipo de sentimento necessário hoje em dia, fala da qualidade das relações humanas. Precisamos recuperar isso para a sociedade andar."
NA TV
Velho Chico
QUANDO seg. a sáb., a partir das 21h, na Globo