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    Protestos contra Temer espalham-se por espetáculos no país e no exterior

    GUSTAVO FIORATTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    10/06/2016 02h04

    Divulgação
    Performance da coreógrafa Lia Rodrigues em festival da Alemanha, com a frase 'contra o golpe no Brasil
    Performance da coreógrafa Lia Rodrigues em festival da Alemanha, com a frase 'contra o golpe no Brasil'

    O cineasta Kleber Mendonça Filho, a atriz Sônia Braga e, com eles, o time de atores do filme "Aquarius" fizeram escola. O protesto realizado pelo grupo no último dia 17 no Festival de Cannes contra o afastamento de Dilma Rousseff acabou gerando uma onda de manifestações similares, com força particular no teatro e na dança.

    A impressão em sulfite de frases como "Fora Temer" e "Temer Jamais" tornou-se "um item que você leva na bolsa para qualquer oportunidade", diz a atriz Roberta Estrela D'Alva. "Sempre pode ter uma câmera da rede golpe gravando ao vivo", diz a atriz, referindo-se "às brechas" na cobertura jornalística televisiva.

    Veterana de um cenário teatral que se abastece de linguagens da arte de rua, ela estava no elenco da peça "Garrincha", criação do americano Bob Wilson, e conta que foi nesse clima de guerrilha midiática que a última sessão da peça, no dia 29 de maio, terminou: após os aplausos, começaram a pipocar, sobre o palco e na plateia, as duas principais frases de rejeição ao governo interino de Temer. São as mesmas sentenças que se espalharam pela Virada Cultural em São Paulo, no mês passado.

    A coreógrafa Lia Rodrigues já havia feito algo parecido no dia 20, quando abriu o Projeto Brasil, mostra de dança e teatro que passa por várias cidades alemãs até o próximo dia 26 –com cerca de 30 espetáculos brasileiros. Lia assina a criação de "Para que o Céu Não Caia".

    Logo após a sessão da peça, os intérpretes levantaram módulos com letras que formavam a frase "Against the Coup in Brazil" (contra o golpe no Brasil). No mesmo festival, houve manifestações similares da Cia Hiato e do coreógrafo Marcelo Evelin. Segundo a organização do festival, a imagem do jogo de letras da peça de Lia Rodrigues ganhou 64 mil impressões, encartadas no "Frankfurter Allgemeine", principal jornal alemão.

    Outras investidas que acusam o governo interino de Michel Temer de ter cometido um golpe parlamentar estão prometidas na grade. "Preparamos cartazes e mostraremos ao final da sessão", diz Karin Serafin, dançarina do grupo de dança Cena 11, que tem sessões a partir do dia 10 em Frankfurt. "Será um protesto silencioso", comenta. "As manifestações que tenho acompanhado são assim. E há inclusive manifestações que partem da plateia."

    A tática é antiga, diz Estrela D'Alva. "Aprendi em anos de ativismo na Frente 3 de Fevereiro, quando já abríamos bandeiras com frases em estádios de futebol bem na hora do gol, quando a TV filmava a torcida", conta. A Frente 3 de Fevereiro combatia o racismo, estampando frases como "Brasil Negro Salve".

    'TERRORISMO POÉTICO'

    A atriz cita o historiador e ativista americano Hakim Bey como um dos pais de um tipo de ação que passou a ser chamada de "terrorismo poético", onde a palavra terrorismo deixa de conotar uma violência física. Desestabilizar o poder é um tópico da obra de Bay, com a sugestão de que se faça com leveza e humor.

    Bom exemplo foi o ato do ator e diretor Guilherme Weber no "Programa do Jô" no último dia 2: ao despedir-se do apresentador, o artista encaixou: "Não deu tempo de falar, mas, ultimamente, Fora Temer". Sem erguer o punho e sem avolumar a voz.

    A Folha contatou a Presidência da República para que comentasse os protestos, mas não houve resposta até a conclusão desta edição.

    Marisa Bentivegna/Divulgação
    Companhia Hiato protesta contra o governo Temer durante a peça 'O Jardim', em Dresden (Alemanha)
    Companhia Hiato protesta contra o governo Temer durante a peça 'O Jardim', em Dresden (Alemanha)

    EVANGÉLICOS E RUÍNA DO PT

    Se o presidente interino Michel Temer estiver certo e "essa coisa de ideologia" de fato estiver "fora de moda", a classe teatral inteira vai precisar trocar de guarda-roupa ainda neste inverno. As bandeiras da esquerda não pararam de ganhar menção em cena no período que segue o afastamento de Dilma da Presidência.

    Antes que o leitor tache o cenário de "petralha", é bom dizer que há tiros para todos os lados. A performance "Efeito Cassandra - Na Calada da Voz", do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, menciona situações de machismo entre deputados. A peça "O Avesso do Claustro" resgata a figura de dom Helder Câmara em contraposição ao papel conservador de evangélicos no Congresso. E a série "Abnegação" vê o PT de forma crítica, sem condescendência.

    Com assinatura do grupo Tablado de Arruar, a trilogia chegará neste mês ao terceiro volume, colocando novamente holofotes sobre o esfacelamento de valores morais no jogo político dos anos Lula.

    "Se eu estivesse sofrendo assim eu ia querer que alguém me desse a mão. Mesmo que fosse o cara que está justamente metendo a pica na pessoa que eu amo", diz em determinado momento da peça um advogado do PT, no tom frio e cheio de cinismo que atravessa boa parte dos diálogos deste último episódio, que estreia no dia 23, no Sesc Ipiranga (o primeiro episódio começou a ser reapresentado nesta quinta).

    O autor das peças, Alexandre Dal Farra, conta que "Abnegação 3 - Restos" inclui um epílogo em que Dilma Rousseff se despede do poder. O texto tem, em tratamento tragicômico, o estilo truncado do discurso da presidente afastada, com longas explicações sobre a inabilidade de falar bem e dialogar com políticos que ela, durante este pronunciamento fictício, classifica como mesquinhos.

    Já 'O Pão e a Pedra', da Cia. do Latão, parte de um olhar sobre a greve de metalúrgicos em 1979 no ABC paulista. No centro da trama, uma mulher se disfarça de homem para conseguir mais oportunidades em um ambiente machista. A peça então, com elementos documentais inclusive, revê situações que abarcam as expectativas ideológicas de operários, movimentos estudantis e da ala progressista da igreja.

    No Sesc Consolação, também entra em cartaz neste final de semana as duas peças de Samir Yazbek (codireção de Helio Cícero) que integram o projeto "Brasil: o Futuro que Nunca Chega". A primeira tem o nome Princesa Isabel no subtítulo. A segunda se inspira na figura de D. Pedro 2º.

    Yazbek brinca que esta dose dupla poderia também se chamar "Brasil: o Passado que Nunca Passa". Ele entende que ambas as peças desvelam o perfil de um país que não consegue se desamarrar de velhos problemas econômicos e sociais.

    A peça sobre a Princesa Isabel retorna ao momento em que o Império perde força por defender a abolição da escravatura, mostra o jogo entre governo e legisladores.

    A peça sobre D. Pedro 2º investiga uma passagem do imperador pelo Oriente Médio e a decorrente abertura do país à imigração libanesa –com menções à xenofobia e ao retrato atemporal de discursos fascistas na internet.

    BRASIL - O FUTURO QUE NUNCA CHEGA
    QUANDO qui. e sáb., às 21h ("Brasil: o Futuro que Nunca Chega - Princesa Isabel"); sex., às 21h, e dom., às 18h ("D. Pedro 2º"); até 10/7
    ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
    QUANTO R$ 12 a R$ 40
    CLASSIFICAÇÃO 12 anos

    O PÃO E A PEDRA
    QUANDO qui. a sáb., às 19h30; dom., às 18h
    ONDE Tusp, r. Maria Antônia, 294, tel. (11) 3123-5233
    QUANTO R$ 20
    CLASSIFICAÇÃO 18 anos

    TRILOGIA ABNEGAÇÃO
    QUANDO qui. a sáb., às 21h, e dom., às 18h; até 12/6 (parte 1); de 16 a 19/6 (parte 2); de 23/6 a 17/7 (parte 3)
    ONDE Sesc Ipiranga, R. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000.
    QUANTO R$ 7,50 a R$ 25
    CLASSIFICAÇÃO 16 anos (parte 1 e 4) e 18 anos (parte 2)

    Edição impressa

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