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    depoimento

    'O Beijo', de Babenco, foi virada na minha carreira, conta Sonia Braga

    SONIA BRAGA
    depoimento a MARCELO BERNARDES

    14/07/2016 13h31

    A notícia de que o cinema perdeu Hector Babenco me transportou instantaneamente para dentro da cena final de "O Beijo da Mulher Aranha". Num barco, nas águas de Paraty, a Mulher Aranha indo embora com Raul Julia, ao som da música do filme (de John Neschling). A partida é sempre uma realidade triste.

    Todos os filmes de Babenco são intensos, impactantes, pungentes. Hoje cedo, ao relembrar "O Beijo", tive, pela primeira vez, a perspectiva de que era um filme sobre a partida. Os dois personagens principais, interpretados por William Hurt e Raul Julia, deixam de existir. E as minhas personagens só existiam na imaginação deles.

    Devo dizer que nunca conheci o Babenco intenso, pungente de "Pixote", "Carandiru" e das cenas de prisão de "O Beijo". Fico imaginando como teriam sido os ensaios para esses filmes. O Babenco que colocou a mão nas minhas costas era um cineasta mais descontraído. Lembro dele andando calmamente no set de filmagens, fumando seu charuto e conversando com o diretor de fotografia (Lauro Escorel). Manuel Puig (autor do livro que inspirou "O Beijo da Mulher Aranha") e o produtor David Weisman estavam presentes também.

    Babenco tinha acabado de rodar todas as cenas de prisão com Bill Hurt e Raul e agora embarcava na direção dessa parte fantasiosa e lírica do filme, que eram as cenas do cabaré, nas quais interpreto a personagem de Leni Lamaison. E depois filmamos em Paraty o desfecho do filme.

    Babenco me convidou um dia para almoçar. Eu tinha acabado de rodar "Gabriela", de Bruno Barreto, e ele me ofereceu apenas a personagem da arquiteta Marta, namorada do preso político Valentín, interpretado por Raul. Falei logo para que queria fazer o filme. Acabei interpretando três personagens.

    "O Beijo da Mulher Aranha" fez uma carreira brilhante no exterior e só comprovou o talento que Babenco tinha para histórias intensas e penetrantes. William Hurt ganhou o prêmio de melhor ator em Cannes e o filme recebeu quatro indicações para o Oscar, incluindo uma merecida de melhor direção.

    Babenco fez um filme importante, ainda muito relevante nos dias de hoje, e que continuará a causar impacto em gerações futuras. Pessoalmente, o filme não só resultou numa virada em minha carreira, como também consolidou meu nome internacionalmente. Foi um incrível presente que ganhei de Babenco. E fica difícil de acreditar que, em breve, quando estarei em São Paulo, não poderei encontrá-lo mais.

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