Aqueles que, com razão, se apaixonaram por Elena Ferrante ao lerem os livros de sua série napolitana repetirão, na leitura de "Dias de Abandono", ao menos uma das experiências propiciadas pelos dois outros livros da autora já lançados no Brasil.
Como quando seguem as aventuras de Lenu e Lila, os leitores correrão, ansiosamente, as páginas deste livro, em que se narram as desventuras de Olga.
Não é possível dizer, no entanto, que a pressa com que se devora o romance de 184 páginas, o segundo da autora italiana, se deva à impossibilidade de deixar de lado sua vibrante prosa.
No caso, cabe dizer que muitas vezes o leitor desejará, somente, que tenha fim o sofrimento da protagonista e narradora, cujo casamento acaba aparentemente de chofre.
Quando Mario, seu marido, decide deixá-la argumentando um vazio de sentido em sua existência, Olga se vê à beira de um abismo.
Após 15 anos de dedicação ao lar, durante os quais ele construiu sua carreira enquanto ela deixou de lado suas intenções literárias, restam a Olga, uma mulher à beira dos 40 anos, os dois filhos e o cão pastor.
O entorno familiar não lhe oferece nenhum consolo. Ao contrário, as obrigações domésticas se tornam um fardo.
Como era lícito perguntar quem era "a amiga genial" do primeiro volume da tetralogia de Ferrante, aqui também cabe inquirir quem perpetra o abandono de quem.
A autora claramente se compraz em deixar abertas pequenas ambiguidades como esta, convidando o leitor a uma participação mais ativa.
Embora não seja nada parca em acontecimentos –é, ao contrário, bastante densa considerada a breve extensão–, "Dias de Abandono" é uma obra em que a trama brilha menos que a narrativa.
RITMO FEBRIL
O ponto de vista único faz com que o artifício se torne mais presente neste livro do que nos da série napolitana; é, digamos, um romance mais "literário".
Essa perspectiva fechada projeta o leitor para o centro do abandono; seguimos os dias de Olga no mesmo ritmo febril e confuso que a acomete.
Dias de Abandono |
Elena Ferrante |
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A capacidade de impingir ao leitor uma experiência tão próxima à da protagonista comprova mais uma vez as qualidades de Ferrante.
Vítima de seu manejo hábil da crueldade, o leitor merece ser recordado de que nem a dor dura para sempre.
Sem revelar em excesso a trama, vale contar que, como na série napolitana, também aqui a arte se oferecerá como uma epifania e um caminho, quiçá, de redenção.