É possível, é até provável, que Gregorio Duvivier já tenha se dado conta de que seu talento ora hostil, ora surpreendente –e que exige ser dominado por um burlesco altamente intelectual–, remete a Buster Keaton.
É assim que se apresenta no início do filme o personagem de Eduardo, em todo caso. E lembra o Duvivier do Porta dos Fundos.
Talvez o talento essencial de Clarice Falcão esteja mesmo nessa proximidade com a Katharine Hepburn de filmes como "Levada da Breca" (ou seja, uma personagem bem à maneira da clássica comédia "slapstick"): a garota que se lança, inconsciente, talvez, mas agressiva, certamente, sobre o cara que deseja.
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Clarice Falcão e Gregorio Duvivier em cena de 'Desculpe o Transtorno' |
É assim que ela aparece nos seus melhores momentos de "Desculpe o Transtorno". Não por acaso, sua melhor cena, uma das mais memoráveis do filme, é aquela dentro de um elevador.
O nome do filme fala muito do personagem de Duvivier: um cara confuso, em busca de si mesmo, com um emprego que detesta e uma noiva que lhe diz o que é o que não é.
Será assim o comediante Duvivier? Em todo caso, essa duplicidade do personagem conduz, a ele e ao filme, a outro tipo de burlesco: o de Jerry Lewis, de personagens duplos, ruidosos. Aqui Duvivier está menos à vontade –o filme, nem se fala.
Diante de todas essas direções que encontramos sugeridas no filme é lícito perguntar: terão os realizadores consciência disso? Ou será que tudo se passa intuitivamente?
Certo é que estamos diante de um roteiro à deriva. Tal como o avião de Eduardo/Duca, que vai e vem interminavelmente do Rio a São Paulo carregando as duas personalidades do rapaz, a história atira para tudo que é lado: ora se escora em cafonices paulistanas, ora em cartões-postais cariocas embalados em música.
E ao final fica a sensação de que "Desculpe o Transtorno" depende muito mais do talento de seus atores do que de conhecimento minimamente sólido do material (o cinema) com que está lidando.
O talento é necessário, claro, mas estamos em 2016: não é suficiente. Ou se conhece a arte que se pratica (e a comédia é, nesse sentido, ainda mais exigente) ou vamos, eternamente, nos afundar nas comédias românticas à moda de 1950 (sim, esse é outro aspecto do filme –constrangedor, diga-se), a pensar que se está fazendo um filme contemporâneo.
Esse o problema do filme: é um trabalho de reconhecimento de terreno e conhecimento de si mesmo para Duvivier. Traz bons momentos, mas o conjunto não se aguenta.
Por fim: a personagem de Dani Calabresa é de longe a mais bem desenhada do filme. Ela encarna bem o cafona e o arrivismo paulista.