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    Edward Albee só escreveu para quem sabe que vai morrer

    BRUCE WEBER
    DO "NEW YORK TIMES"

    19/09/2016 02h30

    Jeff Christensen/Reuters
    Edward Albee na cerimônia do prêmio Tony, em 2005

    Psicologicamente astutas e lancinantes, as peças do dramaturgo americano Edward Albee, que morreu aos 88 anos nesta sexta (15), exploraram os descalabros da intimidade, a distância entre o autoengano e a verdade e desespero da vida contemporânea.

    Nascido em 1928, Albee iniciou sua carreira no teatro após a morte de Eugene O'Neill (1888-1953), quando Arthur Miller e Tennessee Williams já haviam produzido a maioria de suas peças mais conhecidas. Deles, herdou a tocha da dramaturgia americana, que carregou até o século 21.

    Distanciado dos pais adotivos, que tinham dificuldade de lidar com seu temperamento artístico, mudou-se para o Greenwich Village, em Nova York, em 1949.

    Lá, sua vida artística tomou forma. Seu círculo de amigos, composto de pintores, escritores e músicos, incluía o dramaturgo William Inge e os compositores David Diamond, Aaron Copland e William Flanagan, com quem se relacionou.

    Albee debutou na cena teatral com estrondo, em 1959, quando sua primeira peça produzida, "A História do Zoo", foi encenada em Berlim em dobradinha com "A Última Gravação de Krapp", de Samuel Beckett.

    Um único ato que se desenvolve em tempo real, "A História do Zoo" se debruça sobre o terror existencial da era Eisenhower (presidente dos EUA entre 1953 e 1961), apresentando a ameaçadora intrusão de um estranho inconveniente a um homem que lê sozinho em um banco do Central Park.

    Quando a peça chegou ao Greenwich Village, em Nova York, no ano seguinte, ajudou a fomentar o movimento teatral que viria a ser conhecido como Off Broadway.

    Em 1962, a estreia de Albee na Broadway –"Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", o célebre retrato escabroso de um casamento malogrado– ganhou o prêmio Tony de melhor peça e ficou em cartaz por mais de um ano e meio.

    A produção desconcertou público e crítica com sua representação de um casal cujo relacionamento fora corroído por esperanças frustradas, recriminações e álcool.

    A adaptação para o cinema em 1966, dirigida por Mike Nichols e estrelada por Richard Burton e Elizabeth Taylor, fez do espetáculo o trabalho mais famoso de Albee.

    A peça serve de exemplo do naturalismo exaltado pelo qual ele costumava enveredar, uma expressão do ponto de vista segundo o qual o egoísmo é um agente urgente, irresistível, nocivo e universal da vida moderna.

    Meio século mais tarde, o drama audacioso sobre um amor entre homem e animal, "A Cabra ou Quem É Sylvia?"(2002), ganhou outro Tony, ficou em cartaz por quase um ano e derrubou, ainda que por pouco tempo, a predição segundo a qual o teatro comercial não recebe bem dramas sérios.

    arauto do desastre

    Em cinco décadas de carreira, Albee entregou cerca de 30 peças, dedicando-se a explorar temas que fugissem da zona de conforto do público teatral médio, como a capacidade para o sadismo na sociedade americana, a fluidez da identidade humana, a irracionalidade perigosa da atração sexual e a irrefutável presença da morte.

    Seu trabalho poderia ser de difícil absorção, não só pela temática, mas por sua natureza opaca e elíptica. Não à toa, seu relacionamento com público –que apenas ocasionalmente alçava seus textos ao sucesso– e crítica –cujos elogios eram tão frequentes quanto as demonstrações de desdém– era acalorado.

    Não obstante, ele figurou entre os dramaturgos americanos mais laureados. Além de seus prêmios Tony, ganhou três Pulitzer: "Um Equilíbrio Delicado" (1967), comédia sobre o combate verbal de uma família influente, mas infeliz; "Paisagem Marinha" (1975), meditação sobre a monogamia e a mortalidade; e "Três Mulheres Altas" (1994), trabalho pessoal inspirado em memórias de sua mãe adotiva.

    Albee se definia como uma espécie de arauto que advertia seu público do inevitável desastre particular. "Minhas peças são sobre pessoas falhando na hora H, desistindo muito jovens, chegando ao fim de suas vidas com arrependimentos de coisas que não fizeram", disse ao "New York Times", em 1991. "Percebo que muita gente gasta a maior parte do tempo vivendo como se não fosse morrer."

    Edward Albee viveu por décadas em um loft em Tribeca repleto de esculturas africanas e pinturas contemporâneas de nomes como Vuillard, Milton Avery e Kandinsky. Seu companheiro de 35 anos, o escultor Jonathan Thomas, morreu em 2005. Ele não deixa filhos.

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