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    Em livro sobre Machado, Silviano Santiago une crítica e romance

    MAURÍCIO MEIRELES
    DE SÃO PAULO

    13/12/2016 02h00

    Danilo Verpa/Folhapress
    PARATY, RJ - 31.07.2014 - 21H30 - PORQUE ERA ELE, PORQUE ERA EU - Silviano Santiago. Mesa com Mathieu Lindon e Silviano Santiago, com mediacao de Paulo Roberto Pires. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, ILUSTRADA)
    O crítico literário e escritor Silviano Santiago

    No começo, o leitor pode ficar confuso com o novo romance de Silviano Santiago. Embora a capa de "Machado" (Companhia das Letras) diga tratar-se de um romance, ao longo da leitura há muitas vezes a sensação de que a narrativa desapareceu -e deu lugar a um ensaio crítico e biográfico.

    Até a página seguinte, quando a voz do narrador retorna -para sumir de novo logo adiante.

    No livro, Silviano conta -e reflete sobre- os últimos anos de Machado de Assis, de 1905 a 1908. O autor apresenta, assim, um Bruxo do Cosme Velho sofrendo com a morte de Carolina, sua mulher, e com a epilepsia.

    Mas, com tanta pesquisa biográfica factual, por que escrever um romance em vez de um estudo crítico?

    "Queria trabalhar com hipóteses. Na epígrafe de Sartre [o filósofo], ele diz que trabalha com hipóteses [no seu livro 'O Idiota da Família', biografia de Flaubert]. Muita gente acha que liberdade é só a ficção", diz Silviano.

    SOBREVIVÊNCIA

    Neste livro, ele -um dos maiores críticos literários em atividade no país- volta a temas do seu romance anterior, "Mil Rosas Roubadas": a biografia, a autobiografia, a viuvez, os sobreviventes.

    "Dos grandes romances de Machado, o menos lido é 'Memorial de Aires', que é meu interesse primeiro. O segundo é o que chamo de romance de sobrevida. O século 18 constitui o romance de formação. O século 21 são essas pessoas que conseguiram sobreviver", diz o autor.

    Outro elemento que reforça o lado não ficcional do livro é a pesquisa minuciosa do escritor -que reconstrói a vida do biografado e a cena literária da época.

    Silviano diz que foi procurar os ângulos pouco explorados da história. É assim que faz a análise da relação entre a doença e a criação artística (o narrador digressivo machadiano, por exemplo, é chamado de "convulsivo").

    "A beleza artística é uma forma arrogante e salutar da doença que devasta o ser humano", escreve Silviano, na descrição do pensamento de um personagem. O autor acha que a epilepsia de Machado não foi tratada em profundidade pelos críticos.

    "A questão da doença é típica do novo século. A metaforização da doença em algo terrível é antiga. Procurei mostrar que a doença não impede uma criação artística das mais sofisticadas. Numa visão sublime, ela pode ser motor de uma criação literária fantástica", diz Silviano,

    Como filiado ao pensamento do filósofo francês Michel Foucault (1916-1984), Silviano faz a arqueologia do imaginário médico da época relativo à epilepsia -e para isso foi buscar manuais e revistas de medicina.

    CARTAS DESCONHECIDAS

    Entre os documentos pouco consultados nos estudos machadianos que o crítico usa no livro, está a correspondência entre Machado e Mário de Alencar, seu apadrinhado (também epiléptico), filho do escritor José de Alencar.

    Há uma velha fofoca literária, aliás, que afirma que Mário era na verdade filho de Machado, que teria tido um caso com a mulher do amigo -o que, para Silviano, não faz muito sentido.

    "É impossível. Mário de Alencar nasce no ano em que o Machado se casa com a Carolina. Não vou dizer que Machado não era um Don Juan, mas quando você está tentando conquistar uma mulher... Mas não há dúvidas Alencar é o pai biológico e Machado o pai espiritual", diz Silviano.

    O autor também reconstrói a modernização urbana do Rio de Janeiro no começo do século 20.

    Machado estaria no polo oposto dessas reformas: em vez da moderna avenida central, ele queria as velhas ruas tortuosas da cidade colonial ("Há uma história do Rio contada em paralelo").

    "Machado" é um livro de profunda erudição -o que pode torná-lo difícil em alguns momentos. Mas ele fica como uma espécie de herança deixada por seu autor.

    "Não sentei e escrevi. É um livro que eu já tinha comigo. Ele fica como legado de uma certa erudição que eu possa ter. Um legado à literatura brasileira e, em especial, à sua figura maior, que é Machado", afirma Silviano.

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