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    Sul-coreano Park Chan-wook troca violência por erotismo em 'A Criada'

    RODRIGO SALEM
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CANNES

    12/01/2017 02h00

    O sul-coreano Park Chan-wook não é o tipo de cineasta que filma com medo da reação do público. Seus banhos de sangue transformaram a "Trilogia da Vingança" ("Mr. Vingança", "Oldboy" e "Lady Vingança") em longas cultuados e premiados.

    Chan-wook ajudou a definir o cinema extremo asiático da década passada, apoiado pelo fã Quentin Tarantino –que, como presidente do júri do Festival de Cannes, o levou ao Grand Prix, em 2004.

    No entanto, no seu novo "A Criada", o diretor admite ter sido "mais cauteloso". O filme, que estreia no Brasil nesta quinta (12), é baseado no livro "Na Ponta dos Dedos", da feminista Sarah Waters, e conta, com cenas sexuais, fetiches e reviravoltas, a história de um romance lésbico.

    "Como sou homem, as pessoas podem tender a me acusar de mostrar as cenas de sexo do ponto de vista masculino", disse o diretor à Folha no último festival de Cannes, onde o filme fez sua estreia mundial, em maio.

    "Não quis fazer da sexualidade dessas duas mulheres um espetáculo excitante, porque estaria me tornando um dos velhos pervertidos do filme. Em vez de objetificar o corpo da mulher, tentei me distanciar o máximo possível disso. Se não consegui, terei falhado como cineasta."

    Mesmo se saiu de mãos vazias de Cannes, o longa foi recebido com entusiasmo nos EUA: foi o melhor filme estrangeiro segundo vários grupos de críticos (Los Angeles, Chicago, Austin) e foi o preferido da Aliança de Mulheres Jornalistas de Cinema.

    "Minha intenção secreta era fazer um filme feminista", conta Chan-wook. "Mas a plateia é que precisa dizer se fui bem-sucedido. Não importa se minhas intenções são boas, porque um diretor não pode rotular sua obra. Quero que meus filmes sempre estejam abertos para a interpretação do espectador."

    O livro que originou "A Criada" é ambientado na Inglaterra vitoriana –cenário utilizado pela minissérie da BBC de 2005, lançada no Brasil como "Falsas Aparências", que o sul-coreano ignorava até acabar de ler o romance.

    "Fiquei obcecado pela cena em que a serva lixa o dente afiado da sua patroa, mas soube da minissérie e desanimei. Queria muito filmar a história, então decidi mudar da Inglaterra para a Coreia dos anos 1930."

    O filme conta a história da criada Sookee (Kim Tae-ri), que é contratada por um conde de araque (Ha Jung-woo) para fazer a rica herdeira Hideko (Kim Min-hee) se apaixonar por ele –os dois, então, fugiriam com o dinheiro da mulher, que seria internada como louca.

    Mas Sooke se apaixona pela frágil herdeira, e "A Criada" vira um suspense erótico dividido em três atos com pontos de vista diferentes.

    Chan-wook diz achar que essa perspectiva múltipla tem muita a ver com sua filmografia e que foi atraído pelo "elemento de busca de identidade, do que é real, da mudança causada por um ponto de vista diferente". Ele inseriu a terceira parte, que não existia no material original.

    A violência exagerada dá lugar aqui a lindas cenas de sexo a cargo de seu costumeiro diretor de fotografia, Chung Chung-hoon.

    "Violência é muito mais fácil de filmar", diz o cineasta. "Gosto de ensaiar, desenhar as cenas e coreografar, mas as cenas de sexo eu tentava fazer o mais rápido possível e sempre conversava muito com as atrizes antes de começar a filmar, para ter certeza que estavam confortáveis."

    Com a escolha do pano de fundo da Coreia ocupada pelo Japão, o filme ganha uma dimensão ainda mais interessante que o tom de suspense hitchcockiano da trama, na qual o coreano Kouzuki (Cho Jin-woong) mantém a sobrinha (japonesa) em grilhões na mansão da família, cujo subsolo é tomado por uma biblioteca de contos eróticos.

    "Eu precisava encontrar um momento da história da Coreia que o choque de classes fosse mais evidente, com servos, senhoras e manicômios. Apenas a década de 1930 tem isso", explica o diretor.

    "A Coreia era fonte de cultura para o Japão. Mas fomos isolados do Ocidente, e o Japão se modernizou. Apenas com a ocupação nós nos abrimos para outras culturas."

    Para Park Chan-wook, o personagem do tio representa bem a elite coreana. "Um intelectual rico que deseja virar japonês para se adaptar a nova ordem. Um reflexo de um país que deseja se modernizar a qualquer custo."

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