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    Livro percorre vida de Clementina de Jesus, morta há 30 anos

    MARCO AURÉLIO CANÔNICO
    DO RIO

    04/02/2017 02h13

    Há 30 anos, o Brasil perdia o "canto negro e cru", a "voz possante e o talento selvagemente espontâneo" de Clementina de Jesus. E foram necessárias essas três décadas para que a ex-empregada doméstica revelada tardiamente como artista ganhasse sua primeira biografia de fôlego.

    A recém-lançada "Quelé, a Voz da Cor" percorre os 86 anos de sua protagonista, mas chama a atenção principalmente por iluminar a obscura vida de Clementina antes de sua estreia como cantora profissional.

    "Foram mais de 60 anos sem uma única menção em jornais e revistas, que são normalmente o ponto de partida de todo o biógrafo", diz Janaína Marquesini, 35, uma das autoras do livro.

    "Para não depender deles, variamos muito nosso trabalho, indo atrás de depoimentos gravados no MIS (Museu da Imagem e do Som) e na Funarte, além de entrevistas e de uma bibliografia enorme", diz ela, por e-mail.

    A obra, assinada também por Felipe Castro, 26, Luana Costa, 27, e Raquel Munhoz, 26, deriva do trabalho de conclusão do curso de jornalismo do quarteto na Universidade Metodista de São Paulo.

    Assim como o de boa parte das gerações mais jovens, o conhecimento que tinham da obra de Quelé –apelido pelo qual a cantora ficou conhecida– era limitado.

    "Já tínhamos ouvido 'P.C.J. (Partido Clementina de Jesus)' e 'Marinheiro Só', que são as gravações mais famosas. E Janaína conhecia 'O Canto dos Escravos' [disco de 1982, com Clementina, Geraldo Filme e Tia Doca]. Mas, fora isso, não sabíamos quase nada a respeito", diz Raquel.

    CORREÇÃO HISTÓRICA

    Quelé, A Voz Da Cor: Biografia De Clementina De Jesus
    Felipe Castro, Janaína Marquesini, Luana Costa
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    Os seis anos de pesquisa, no entanto, os tornaram especialistas a ponto de corrigirem um equívoco histórico: a data de nascimento da partideira, cuja certidão de batismo aponta ser 7 de fevereiro de 1901, em Valença (RJ).

    "No cartório da cidade não foi localizada nenhuma certidão de nascimento dela. Nos depoimentos e entrevistas, ela citou 1902 e 1903 como anos em que nasceu. Na certidão de casamento consta 1907", diz Raquel.

    "Fazendo todas as conexões com os acontecimentos da vida dela e entrecruzando depoimentos, informações e outras efemérides, concluímos que ela não poderia ter nascido em 1907. E 1902 e 1903 descartamos pela falta de evidências."

    O livro também mostra que, apesar de a carreira formal da cantora ter começado apenas em 1964, após impulso do poeta e produtor cultural Hermínio Bello de Carvalho, ela já era conhecida nas rodas de samba e de jongo, tendo convivido com ícones como Tia Ciata, Noel Rosa, Ataulfo Alves e Cartola.

    "Ela era ativa no mundo do Carnaval nos anos 1920, 1930, 1940, ora sendo diretora da escola Unidos do Riachuelo, ora participando de alguns momentos nos primeiros anos da Portela, ora se transformando em figura assídua da Mangueira", diz Felipe.

    O livro é apenas o primeiro dos projetos em homenagem a Clementina que devem ser lançados neste ano.

    Para outubro está prevista a estreia de um novo documentário sobre a filha de escravos libertos que foi, na definição do antropólogo Darcy Ribeiro, "a voz dos milhões de negros desfeitos no fazimento do Brasil".

    Ainda sem título oficial –deve receber o nome da homenageada–, o longa da produtora carioca Dona Rosa Filmes está em pré-produção e será dirigido por Ana Rieper (de "Vou Rifar Meu Coração").

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