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    Morto aos 80, Jannis Kounellis criou arte da presença incômoda

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    18/02/2017 02h07

    Crocchioni - 11.mar.2015/Ansa via AP
    FILE -- In this March 11 2015 file photo Jannis Kounellis poses for pictures in Citta' di Castello, Italy. Greek artist Jannis Kounellis, a major exponent of Arte Povera who made Italy his adopted home, has died in Rome at the age of 80. (Crocchioni/ANSA via AP) ORG XMIT: ANS102
    O artista grego Jannis Kounellis em retrato de dois anos atrás

    Morto aos 80, nesta quinta, em Roma, o artista grego Jannis Kounellis foi um dos maiores nomes da chamada arte povera, ou arte pobre, vanguarda italiana que surgiu no fim da década 1960.

    Suas esculturas criadas com sacos de estopa, pedaços de pedra e carvão, vigas de ferro e até animais vivos, de cavalos a peixes e araras, tinham tudo para se enquadrar, de fato, no movimento batizado dessa forma pelo crítico Germano Celant, que via despontar na Itália do pós-Guerra uma onda de arte avessa ao espetáculo.

    Kounellis, que se mudou para Roma em 1956, logo se tornou um dos nomes mais fortes dessa corrente, ao lado de Alberto Burri, Giuseppe Penone e Michelangelo Pistoletto.

    Mas a pobreza na obra desse artista também passava pela ideia de fome e miséria, como se a falta daquilo que é essencial para a vida fosse mais potente enquanto material plástico do que um simples efeito visual.

    Em 1969, numa das exposições mais importantes da história da arte contemporânea, Kounellis mostrou sacos de arroz, café, feijão e lentilhas.

    Esse seu trabalho em "Quando Atitudes se Tornam Forma", a mítica mostra organizada por Harald Szeemann em Berna, parecia ser um desdobramento inerte de seu trabalho mais famoso, realizado meses antes, quando transformou uma galeria de Roma em estábulo, levando 12 cavalos de verdade ao cubo branco.

    Talvez o nome mais visceral e teatral da arte povera, o artista entendeu a ação como uma pintura, dizendo não importar a presença dos cavalos, mas a imagem dos bichos. Ele orquestrava ali um estranho zoológico, em que o retrato dos cavalos eram eles mesmos em sua presença bruta, a energia nervosa da carne exposta.

    Esse jogo de presenças incômodas marcou sua trajetória, que teve passagens pela Bienal de Veneza e mostras individuais em museus como a Tate Modern, de Londres, e o Reina Sofía, de Madri.

    Em toda a sua obra, como nos tambores usados por uma escola de samba que mostrou pendurados contra retângulos metálicos na extinta galeria Progetti, no Rio, há uma espécie de latência ou tensão entre o que seria a representação de um objeto e sua vida verdadeira, a experiência física, no caso, dos tambores vibrando no Carnaval carioca.

    Há dois anos, o artista também fez os cenários de "Lohengrin", ópera de Wagner montada pelo Theatro Municipal paulistano, caminhando cada vez mais para uma dimensão de performance e mise-en-scène em seu trabalho.

    Muito além de uma ideia de pobreza enquanto resistência a uma arte inebriada pelo luxo e presa à criação de objetos estéticos para a venda, Kounellis trouxe a vida que pulsa para dentro da arte.

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