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    Mostra revela como designer Ettore Sottsass exaltou o kitsch em móveis

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    20/03/2017 02h00

    Croqui de uma cadeira da mesma linha

    Suporte para telefone que também integra sistema de móveis corporativos

    Ele gostava de plástico, ou da sensação dele na pele. Era viciado na forma como as mãos deslizam por essas superfícies alisadas e artificiais.

    "É como abraçar uma mulher ou acariciar a testa de uma criança", dizia Ettore Sottsass, um dos maiores nomes do design italiano. "Vivemos sob os neons da publicidade, dos faróis de automóvel. Ou nos matamos porque não aguentamos o caráter desumano dessa paisagem ou entendemos e pensamos o que fazer com ela."

    Mas Sottsass, alvo de uma mostra que começa na semana que vem no Museu da Casa Brasileira, não se matou. E até sua morte, aos 90, há dez anos, soube traduzir a pós-modernidade em calculadoras, cinzeiros, cadeiras, móveis e objetos de escritório que iam além do desempenho eficaz de seus papéis para desencadear novas emoções que partissem da forma.

    Não qualquer forma. No comando criativo da Olivetti, fábrica italiana famosa por suas máquinas de escrever onde trabalhou da década de 1950 à de 1970, Sottsass foi aos poucos desmontando a máxima de que o desenho de um objeto deve sempre estar a serviço de sua função.

    Nada expressa isso melhor do que a base amarelo ovo sobre rodinhas pretas, arredondada e fofa, das cadeiras da linha Synthesis 45. Na série de 1972, Sottsass criou não só essa peça mas também as mesas, os gabinetes, os cinzeiros –item indispensável dos escritórios da época– para compor um ambiente de trabalho todo integrado.

    No coração da mostra paulistana, esse sistema de mobiliário corporativo deixa claro como o designer antecipou a era de espaços que agora se multiplicam por metrópoles globalizadas, das sedes cheias de brinquedos para adultos mimados do Google e do Facebook à praga dos espaços de co-working.

    Sottsass, visto hoje como um dos pilares do chamado design pós-moderno, lançava ali a cultura de que os objetos devem seduzir. "O funcionalismo não basta", ele dizia. "O design também precisa ser sensual e excitante."

    Toda de plástico vermelho, a Valentine, máquina de escrever que ele inventou em 1969, sintetiza essa ideia. "Era a máquina da liberdade, feita para trabalhar em casa, na praia, aos domingos", diz Enrico Morteo, que organiza a exposição. "Ele criou pela primeira vez um instrumento de trabalho que se tornava um brinquedo."

    Ou uma "mulher de minissaia usando muita maquiagem", como Sottsass mais tarde descreveria sua Valentine. Três anos depois de sua aparição, a máquina foi parar na coleção do MoMA, em Nova York, estrela de uma mostra sobre o novo design italiano.

    Duas décadas antes, em 1952, esse mesmo museu americano havia dedicado toda uma exposição à Olivetti, então dominada por peças de linhas minimalistas, de elegância arrebatadora.

    ALEGRIA KITSCH

    Nesse sentido, o sucesso de Sottsass passou a sinalizar a dissolução dos preceitos do alto modernismo, calcado num funcionalismo sem arestas nem frescuras, e abriu as portas para a era do desenho industrial que buscava certa alegria de viver, sem medo algum de ser kitsch.

    Um exemplo de um de seus excessos, aliás, é o cinzeiro criado para a linha Synthesis 45, violeta e cheio de caroços, algo que Morteo compara a um "objeto saído da discoteca do 'Laranja Mecânica'".

    Esse aspecto exagerado das criações de Sottsass, na visão do mesmo crítico, está ligado a uma grave doença no sistema nervoso que ele enfrentou no início da década de 1960, quando chegou a ficar seis meses internado num hospital na Califórnia.

    "Ele via a América reproduzida nos jornais e nas revistas mesmo acamado", diz Morteo. "Ele olhou a morte nos olhos e entendeu que a vida é um ato sagrado, o que fez com que seu design se apegasse à ideia de ilustrar o milagre que é estar vivo."

    Na obra de Sottsass, esse milagre se transformou em cores que foram se tornando cada vez mais vibrantes até o fim da vida, em especial nas criações que fez para o grupo Memphis, coletivo surgido na década de 1980 que injetou doses exageradas de tinta e estranhos volumes geométricos em móveis e objetos, como a luminária Tahiti, que estará na mostra paulistana.

    Enquanto Sottsass é relembrado em São Paulo, o time liderado por ele também volta a ditar tendências. Nos desfiles da última semana de moda em Paris, a Valentino levou à passarela estampas e formas inspiradas nos exageros do grupo –uma tentativa de romper com as trevas que dominam o cenário político global.

    ETTORE SOTTSASS
    QUANDO abre em 28/3, às 19h; de ter. a dom., 10h às 18h; até 14/5
    ONDE Museu da Casa Brasileira, av. Brig. Faria Lima, 2.705, tel. (11) 3032-3727
    QUANTO R$ 8, grátis aos sábados e domingos

    Edição impressa

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