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    Crítica

    Fim da tetralogia napolitana deixa fãs órfãos de Elena Ferrante

    FRANCESCA ANGIOLILLO
    EDITORA-ADJUNTA DE CULTURA

    10/06/2017 02h45

    Nadia Shira Cohen/The New York Times
    Maria Rosaria Cardamone, 13, no teste da série inspirada em livros de Elena Ferrante
    Maria Rosaria Cardamone, 13, no teste da série inspirada em livros de Elena Ferrante

    HISTÓRIA DE QUEM FOGE E DE QUEM FICA (vol. 3)
    QUANTO R$ 44,90 (416 PÁGS., VOL. 3)
    AUTOR ELENA FERRANTE
    TRADUÇÃO Maurício Santana Dias
    EDITORA BIBLIOTECA AZUL

    HISTÓRIA DA MENINA PERDIDA (vol. 4) (ótimo)
    QUANTO R$ 49,90 (480 págs., vol 4)

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    História De Quem Foge E Quem Fica
    Elena Ferrante
    l
    Comprar

    Com a publicação de "História da Menina Perdida", os leitores de Elena Ferrante no Brasil ficam órfãos.

    Ao lado do recentemente lançado "Um Amor Incômodo" (leia texto nesta página), primeiro romance da escritora, este quarto e último tomo da série napolitana era o volume que faltava para completar a publicação da obra de ficção de Ferrante no país.

    "História da Menina Perdida" faz um díptico com "História de Quem Foge e de Quem Fica", o livro anterior da tetratologia, da mesma forma como os dois livros iniciais se ligavam entre si.

    Enquanto a primeira dupla abordava a infância e a abreviada adolescência das personagens, o terceiro e o quarto volumes tratam da trajetória de Lina e Elena, ou Lenu, sua amiga e narradora da série, já na vida adulta.

    Se naqueles a escrita se apresentava às meninas como um passaporte para outro mundo, nestes Ferrante tematiza o poder que a escrita tem de agir sobre o mundo.

    Em "História de Quem Foge e de Quem Fica", Lenu deixa de vez a vida napolitana, enquanto Lila afunda na miséria, movimentos que, em ambos os casos, são consequência de decisões pessoais.

    Elena, formada e autora de um primeiro livro que fez com que as pessoas de seu pobre bairro de origem a olhassem de forma diferente, passa a viver no norte do país.

    A dicotomia entre a Itália setentrional e a austral é antiga e notória, e é associada ao embate entre progresso e retrocesso. Lenu, pois, progride. Lina, feita operária numa fábrica de embutidos, se acaba num trabalho aquém de suas possibilidades.

    A narrativa aqui se aproxima do cinema neorrealista, com o embate entre a classe intelectual e a classe operária, da qual aquela tenta se aproximar (ou se apropriar).

    O terceiro tomo é, pois, um romance social, em cujo pano de fundo se desdobram a luta de classes, os movimentos contestadores dos anos 1960 e o nascimento do feminismo, que marcará também a vida privada das amigas.

    Em particular a consciência de gênero dá oportunidade a Ferrante de introduzir na tetralogia um tema que lhe é caro e que comparece em seus outros livros, o conflito entre a função doméstica e maternal e o desejo e a ambição profissional da mulher.

    Lila e Lenu saberão traçar, contra esse cenário movimentado, novas decisões que contribuem para o distanciamento entre as duas amigas.

    "História da Menina Perdida", o livro final, se desdobra a partir dessas questões. Lila e Lenu se reaproximam, inclusive no aspecto físico, com as reviravoltas que se dão, aparentemente, em maior medida na vida da narradora.

    QUEM SE PERDE?

    A narrativa se crispa novamente, e novamente Ferrante se vale do título como paratexto fundamental de sua obra. O leitor se pergunta o tempo todo quem é a menina que se perde, e quando se perderá –e chega a nos ocorrer que podemos estar falando até de Lila ou de Lenu, as meninas que, enfim, na maturidade, desaparecem.

    Ferrante maneja sem trégua a tensão do leitor, injetando camadas complexas de acontecimentos e nexos –o livro anterior, mais lento e linear, parece, na comparação, quase monótono.

    O último volume cumpre o dever de fechar o círculo, voltando aos acontecimentos do início –isto é, a desaparição de Lila, que motivara Lenu a contar a história de suas vidas, ora paralelas, ora entrecruzadas. Após tantas peripécias das amigas geniais, o leitor talvez já nem se lembrasse desse episódio fundador.

    Quiçá a explicação do sucesso de Elena Ferrante resida em sua capacidade de oferecer ao leitor a ilusão de acompanhar de fato o arco de uma vida –de duas vidas.

    Essa trajetória de cerca de 50 anos é narrada em corte realista, contra um cenário de acontecimentos reais reconhecíveis –o qual, embora vasto, nunca pesa a ponto de sufocar a construção dessas figuras, a nossos olhos humanas, e não meros tipos a serviço de uma narrativa histórica.

    Já no final, Ferrante põe na voz de Elena uma das frases mais memoráveis dos quatro livros: "Diferentemente do que ocorre nos romances, a vida verdadeira, depois que passou, tende não para a clareza, mas para a obscuridade".

    Essa possibilidade de completude satisfatória é perseguida por Ferrante, sobretudo nesse último livro. E é ela que nos recorda que estamos diante de um romance, e que só por isso nos é dado entender e aceitar o fim das páginas como o fim de uma vida.

    ADAPTAÇÃO

    A previsão é que os quatro volumes sejam adaptados. Por ora, a americana HBO se associou à italiana RAI para a versão do primeiro tomo, "A Amiga Genial", que terá oito episódios, sob direção de Saverio Costanzo. As filmagens estão previstas para os próximos meses, e a seleção de elenco levou Nápoles à loucura.

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