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    Diferença de idade não torna relação abusiva, diz diretor de 'Fala Comigo'

    LEONARDO MARAN
    DE SÃO PAULO

    04/07/2017 19h38

    Karime Xavier/Folhapress
    O cineasta Felipe Scholl em pré-estreia e debate do filme "Fala Comigo" em São Paulo.
    O mediador Naief Haddad e o cineasta Felipe Sholl em debate após pré-estreia do filme "Fala Comigo"

    Um relacionamento com muita diferença de idade só é abusivo se uma das partes se vale dessa desigualdade para criar uma relação de poder. É como enxerga o cineasta estreante Felipe Sholl, cujo filme "Fala Comigo" mostra um casal composto por uma mulher de 43 anos com um jovem de 17.

    O elenco e a equipe do filme, que venceu o último Festival do Rio, participaram de debate promovido pela Folha e mediado pelo jornalista Naief Haddad no Espaço Itaú Frei Caneca, nesta segunda (3).

    O diretor contou que, após uma exibição do longa em Buenos Aires, uma espectadora traumatizada por um relacionamento acusou a história de retratar uma relação abusiva.

    "Ela acreditava que qualquer relação com uma diferença grande de idade é abusiva", comentou Sholl. "Eu respeito a experiência dela, mas discordo."

    "Nessa história, o abuso poderia inclusive ser o inverso, do menino para a mulher", acrescentou o psicanalista e colunista da Folha Contardo Calligaris, que também integrou a discussão.

    Isso porque a personagem de Ângela, interpretada por Karine Teles, começa o filme fragilizada por um divórcio. Sua psicanalista, Clarice (Denise Fraga), é mãe de Diogo (Tom Karabachian), jovem com quem ela se relaciona.

    Calligaris lembrou que, embora a diferença de idade possa chocar, com 14 anos uma pessoa já é considerada apta para consentir com atos sexuais na legislação brasileira.

    A relação central do filme, no entanto, não foi bem vista por patrocinadores. "As empresas tinham receio, porque ainda é subversivo mostrar uma mulher mais velha tendo relações com um homem mais novo", afirma o produtor Daniel van Hoogstraten.

    O resultado foi que a produção custou menos de R$ 1 milhão e precisou ser filmada inteiramente com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, do governo federal. "É um orçamento menor que o da maioria dos filmes considerado de baixo orçamento no Brasil", afirmou Daniel.

    O tema também fez com que o longa demorasse dez anos para ser filmado, a partir de um roteiro do próprio Sholl. "A Clarice estava muito mal escrita no início, eu não conseguia visualizar direito quem ela era. Só consegui entendê-la com a chegada da Denise [Fraga] à produção."

    A atriz definiu Clarice como "uma personagem capaz de ter um olhar de fora [por ser psicanalista], mas que é jogada no centro do furacão". Após a descoberta do romance, ela procura separar os namorados a todo custo.

    Na época das gravações, o filho de Denise Fraga tinha a mesma idade de Tom. "Eu me perguntei sobre como agiria de ele aparecesse em casa com uma namorada da minha idade. Talvez tivesse ciúmes dela por temer que ela também quisesse ser mãe dele."

    Em uma sequência, Clarice chega a usar a história de Ângela, revelada a ela por meio de terapia, contra a mulher. "É uma cena violentíssima do ponto de vista psicanalítico", disse Calligaris.

    Outro tema abordado no filme é o da sexualidade adolescente. Diogo tem o hábito de ligar para as pacientes da mãe e se masturbar ouvindo suas vozes, além de manter uma pasta em que coleciona o esperma.

    Sholl diz que não queria tratar o assunto como uma patologia, mas como parte da personalidade do garoto. "Ele sai da solidão para o amor, mas continua sendo pervertido. Eles se tornam pervertidos juntos".

    As cenas de sexo limitam-se a mostrar os rostos dos atores –Teles e Karabachian disseram ter se sentido totalmente confortáveis nas gravações.

    "Fala Comigo" estreia nos cinemas no dia 13 de julho.

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