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    Curiosa serial, jornalista argentina pula de reportagem em reportagem

    SYLVIA COLOMBO
    DE BUENOS AIRES

    29/07/2017 02h00

    Não há paz para quem tem curiosidade.

    E a prova disso é como Leila Guerriero, 50, observa e esquadrinha tudo ao seu redor. Com os olhos penetrantes e bem abertos, a jornalista encontrou-se com a reportagem da Folha para uma conversa num café da avenida Corrientes, em Buenos Aires. Guerriero é uma das principais convidadas deste ano da Flip.

    "Se você é jornalista, você é um curioso serial", define-se a jornalista, famosa por suas crônicas de não ficção de fôlego que saem publicadas no "El País", no "El Mercurio", na revista "Gatopardo" e em outras, quando não viram livros-reportagem.

    Em sua coletânea de ensaios sobre jornalismo, "Zona de Obras" (Anagrama, importado), Guerriero tenta explicar quais sintomas definem a vocação para a profissão: "pânico de faltar com a verdade, pudor de se autoplagiar e até ódio na hora de escrever".

    Bruno Santos/Folhapress
    A jornalista Leila Guerriero posa para fotografia em Paraty
    A jornalista Leila Guerriero posa para fotografia em Paraty

    Mas o pior vem depois: é que ao terminar um trabalho longo e exaustivo "vocês se sentirão vazios como quem nunca mais conseguirá escrever mais nada". Até que, de repente, "numa noite, num bar, escutarão uma história extraordinária" ou "ao tomar café, lerão num jornal uma história extraordinária" e "sentirão um sobressalto. E estarão perdidos. E estar perdidos será sua salvação."

    Guerriero ri. "Sim, eu vivo assim. Do lado da minha cama tem uma pilha de recortes de jornais com notícias ou pequenas notas que li e que sei que dariam uma grande reportagem."

    Pergunto se gosta de se comparar a Truman Capote (1924-1984), que de uma notícia pequena no "New York Times" construiu seu "A Sangue Frio", sobre uma família assassinada no interior do Kansas. Mas Guerriero é também uma defensora apaixonada da crônica jornalística latino-americana, e prefere mencionar como influências Rodolfo Walsh (1927-1977) e Roberto Arlt (1900-1942), "que fizeram muito antes o que fez Capote, e o faziam com as coisas que ocorriam em Buenos Aires, desde o ambiente da política ao do submundo do crime".

    No Brasil, Guerriero apresentará seu único livro por ora editado em português, "Uma História Simples", em que acompanha um dançarino de malambo, um gênero do interior do país, que participa de um famoso festival folclórico na Argentina.

    OSSOS

    "Me sinto como uma narradora daqui. Prefiro escrever sobre temas argentinos. E minha ambição não é pequena quando faço uma reportagem. Se me meto de verdade, anseio para que aquele texto se torne a referência sobre o assunto. Não creio que seja uma má ambição", diz.

    Aconteceu isso com "La Voz de los Huesos", publicado pelo jornal "El País" e que lhe rendeu prêmios, sobre a Equipe de Antropologia Forense, grupo de peritos argentinos de excelência cuja especialidade é fazer o reconhecimento de restos mortais.

    Uma História Simples
    Leila Guerriero
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    Na Argentina, trabalharam para identificar vítimas da ditadura (1976-1983), mas hoje, pela expertise acumulada, são chamados para colaborar em outros países.

    "Quando o regime terminou, eu tinha 16 anos, e então passei a ler e a conhecer o que tinha acontecido. Mas encontrar os esqueletos armados nas mesinhas do laboratório me causou um impacto diferente e mais real do que foi a máquina de matar da repressão. Aquilo tudo me arranhava o corpo. Mas aprendi com os técnicos a me conter. O impacto teria de surgir no texto, mas não a emoção, essa eu tinha que guardar para mim."

    Guerriero nasceu e cresceu no interior, em Junin, onde os acontecimentos políticos chegavam como um eco do que ocorria nos grandes centros. "Tenho recordações que hoje me gelam os ossos, de ter de estudar moral e cívica e de cantar o hino nacional na escola, enquanto meu pai ia até uma outra cidade para trazer um livro proibido."

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    UMA HISTÓRIA SIMPLES
    AUTORA Leila Guerriero
    TRADUÇÃO Raquel Gutiérrez
    EDITORA Bertrand Brasil
    QUANTO R$ 37,90 (100 págs.)

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    MESA 15 - TRÓTSKI E OS TRÓPICOS + FRUTO ESTRANHO DA OBRA
    ESCRITORES André Vallias, Leila Guerriero e Patrick Deville
    QUANDO 19h15, Auditório da Matriz; transmissão em www.flip.org

    Edição impressa

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