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    Em Frankfurt, jornalista exilado acusa Europa por autoritarismo turco

    MAURÍCIO MEIRELES
    ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT

    12/10/2017 12h40

    Ralf Hirschberger/AFP
    Can Dündar, jornalista que vive no exílio em Berlim há 13 meses, divulga o livro 'Von Istanbul nach Berlin"
    Can Dündar, jornalista que vive no exílio em Berlim há 13 meses, divulga o livro "Von Istanbul nach Berlin"

    A liberdade de expressão na Turquia —ou melhor, a falta dela— continua uma tema central na Feira do Livro de Frankfurt, como já havia sido na edição anterior.

    Um dos destaques desta vez é o escritor e jornalista Can Dündar, que vive no exílio em Berlim há 13 meses. Ele, que divulga o livro "Von Istanbul nach Berlin" (de Istambul a Berlim) foi recebido no espaço da revista alemã "Der Spiegel".

    "Estamos esperando há mais de 60 anos para ser membro da União Europeia. Se a Turquia tivesse entrado, não haveria um governo como o [do presidente Recep Tayyip] Erdogan. Teria sido uma prova de que a União Europeia não é um clube cristão", disse ele.

    Dündar criticou ainda o que considera uma posta ambígua da Alemanha em relação ao regime turco —e que Berlim cede às chantagens do governo.

    "De um lado, a Alemanha critica, mas as grandes empresas alemãs continuam fazendo comércio com a Turquia, vendendo armas por exemplo. É difícil explicar que estão alimentando um regime islamo-fascista", afirmou.

    Dündar criticou o fato de, segundo ele, haver instituições internacionais a servir de apoio ao regime, como a Interpol, que prende intelectuais apontados por Ankara como criminosos.

    "Não entendo como essa instituição pode ser usada por ele. A Interpol precisa separar os criminosos comuns dos pensadores e escritores."

    Ele acrescentou ainda que o fato de seu país não ter entrado para a União Europeia permitiu a Erdogan se alinhar ao mundo islâmico.

    "Nos anos 1960, a Turquia era mais democrática que a Ucrânia ou a Polônia hoje. Perdemos a chance. Quem acreditava nos princípios ocidentais ficou enfraquecido. Aí Erdogan diz: 'não nos querem porque somos muçulmanos'. E a Turquia era o exemplo de que islamismo e democracia podem conviver."

    EXÍLIO

    Dündar vive em Berlim há 13 meses, desde o golpe de Estado frustrado em seu país. Ele, que já havia sido preso com mais de 20 colegas de seu jornal, em 2016, por publicar uma reportagem mostrando como o governo vendia armas para terroristas na Síria, estava em Barcelona e foi aconselhado a não voltar ao país.

    O autor diz que evita circular muito, porque Ankara incita a comunidade turca na Alemanha contra ele. Dündar lembrou que, no dia do julgamento que o libertou, na Suprema Corte turca, um atirador tentou cometer um atentado contra ele – e só não conseguiu porque sua mulher pulou em cima do criminoso e tomou sua arma.

    "Ela foi muito corajosa. Ele queria ser um herói aos olhos de Erdogan."

    O jornalista acusa Erdogan de manter sua mulher como refém no país. Ela já teria tentado vir à Alemanha, mas teve seu passaporte confiscado no aeroporto. Quatro colegas dele envolvidos na reportagem que desagradou o governo ainda estão presos.

    "É engraçado dizer, mas eu era mais livre quando estava preso. Dentro da cadeia, não havia mais o medo de ser preso. Mas é difícil ser corajoso com família e amigos ameaçados. E, aqui, as mesquitas fazem propaganda do governo. Carreguei a minha cela comigo para cá."

    Nesta quinta (12), a Feira de Frankfurt receberá ainda Asli Erdogan —jornalista convidada ano passado, mas que não pode vir por estar presa. Na ocasião, ela enviou uma carta da cadeia para ser lida no evento editorial.

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