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    41ª Mostra de SP

    CRÍTICA

    Sob vestes de horror, 'As Boas Maneiras' tem a cara do Brasil

    INÁCIO ARAUJO
    DE SÃO PAULO

    26/10/2017 01h00

    AS BOAS MANEIRAS (ótimo)
    DIREÇÃO Juliana Rojas/Marco Dutra
    ELENCO Isabél Zuaa, Marjorie Estiano, Miguel Lobo, Cida Moreira
    PRODUÇÃO Brasil, 2017, 14 anos
    QUANDO nesta quinta (26), às 21h20, no Cinesesc; sexta (27), às 18h, no Reserva Cultural 2; domingo (29), às 18h30, na Cinemateca BNDES
    Veja salas e horários de exibição

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    É estranho como são poucos os temas de nosso cinema atualmente. Por sorte, são bem diferentes os tratamentos. Em "Vazante", por exemplo, o tema do preto e do branco e de sua herança está tão presente quanto em "As Boas Maneiras". São porém filmes inteiramente distintos.

    Para começar, aqui estamos no presente e no registro do horror. Mas uma mãe (branca) morrerá ao dar à luz uma estranha criança, de que se ocupará a mulher negra que contratou como babá de seu futuro filho.

    Não sei de melhor resumo para o filme do que a equação fornecida pelo crítico dos "Cahiers du Cinéma" que esteve no Festival de Locarno deste ano: "As Boas Maneiras" = Almodóvar + Jacques Tourneur + David Cronenberg + Marco Dutra-Juliana Rojas.

    A equação é boa porque dá o crédito da originalidade aos brasileiros. Os demais estão lá? Francamente, não vi muito Almodóvar. Mas Jacques Tourneur e seu terror de sugestão está lá aos montes, com toda a difícil sutileza que supõe. E, por vezes, lá encontraremos também Cronenberg.

    No entanto a arte mais sutil é a da transformação. No começo temos uma situação clássica: uma mulher rica com uma criada negra. Aos poucos, Ana, a moça rica, mostrará suas fragilidades. A criada crescerá não só aos seus olhos como aos nossos. Elas entrarão numa espécie de amor simbiótico, em que uma figura parece absorver a outra.

    O momento seguinte dessa absorção se dá pela adoção do pequeno Joel pela babá negra, que, sintomaticamente, se chama Clara. Não menos sintomaticamente, convém lembrar que Joel tem significado bíblico nada modesto: Deus.

    A companhia de Ana, primeiro, e de Joel, mais tarde, transforma Clara: antes instável, inadaptada aos empregos, torna-se mãe completamente dedicada. Ela fará todo o possível para que Joel cresça modestamente (numa quase favela paulistana), mas saudável e no desconhecimento de suas origens.

    O que virá depois? Bem, Joel buscará suas origens. Joel reencontrará talvez o seu destino. E o que virá depois? Bem, como dizia a frase final de um magnífico filme de Tourneur ("A Noite do Demônio"), certas coisas é melhor não saber. Pelo menos não antes da hora.

    Digamos, em todo caso, que "As Boas Maneiras" dá sequência à obra admirável de Marco Dutra e Juliana Rojas (seja em conjunto, seja individualmente) e do coletivo paulista Filmes do Caixote.

    Tão pouco preocupado com o Brasil, na superfície, esse filme tem a nossa cara. Escarrada (à maneira de Cronenberg), embora sob a roupagem mais tradicional do filme de lobisomem.

    Mas também é conveniente lembrar que dá sequência a uma série de filmes brasileiros admiráveis que começam a impor internacionalmente uma dramaturgia do cinema brasileiro desenvolvida por essa geração que começa a filmar no século 21.

    Com "As Boas Maneiras" chegam "Gabriel e a Montanha", "Era uma Vez Brasília", "Arábia", "As Duas Irenes". Espera-se que as salas comecem a lhes abrir espaços condizentes e que um público maior possa descobri-los.

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    Veja mais sobre filmes e diretores na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no especial do 'Guia'.

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    Assista ao trailer de "As Boas Maneiras"

    Assista ao trailer de "As Boas Maneiras"

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