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    Convite revela medo da Bienal, diz pichadora presa em 2008

    DIÓGENES MUNIZ
    EDITOR DE MULTIMÍDIA

    17/09/2010 16h26

    Para Caroline Pivetta, 25, presa em flagrante em 2008 por pintar com spray as paredes do pavilhão projetado por Oscar Niemeyer no parque Ibirapuera, a Bienal tem medo dos pichadores e por isso aceitou a participação do grupo nesta edição. "Mesmo porque a gente é muito mais forte do que eles", afirma.

    Leia também: Às portas da Bienal, "pixo" busca modelo de negócio no mercado de arte

    Carol Susto's, como assinava seus autos de prisão, foi condenada por formação de quadrilha e destruição de bem protegido por lei. Recorre em liberdade. Desde agosto deste ano vive em Alvorada (periferia da Grande Porto Alegre) com a filha Virgínia, de menos de 1 ano.

    O pai da criança morreu aos 22 anos, ao tentar pichar um prédio da av. Rebouças (zona sul de SP).

    "Ele foi, mas foi feliz por ter representado a cena paulistana da pichação tão bem", diz a jovem. Caroline planeja ir ao vernissage da Bienal, que acontece na terça-feira (21). Se não fosse mãe, "chutaria o balde novamente" na abertura do evento, explica.

    Procurado pela reportagem, o curador-chefe Moacir dos Anjos disse que o objetivo da Bienal não é "se redimir". "Seria muito pequeno da nossa e da parte dos pichadores, não é essa a questão. Foi um erro a Bienal de 2008 ter reduzido aquele episódio a um caso de polícia." O evento começa no dia 25 deste mês.

    Leia abaixo trechos da entrevista de Caroline Pivetta à Folha por telefone.

    João Wainer/Folhapress
    Caroline Pivetta, 25, posa para foto pouco tempo após sair da prisão pelo ataque à Bienal, em dezembro de 2008
    Caroline Pivetta, 25, posa para foto pouco tempo após sair da prisão pelo ataque à Bienal, em dezembro de 2008

    *

    Folha - Você vem para a Bienal?

    Caroline - Não tenho certeza ainda. Minha situação financeira não está legal. Estou esperando a resposta dos meninos [pichadores]. O Djan [Ivson] diz que vai bancar minha passagem. Mas também estou esperando uma resposta de um serviço para trabalhar como atendente de telemarketing, não queria perder essa oportunidade. De qualquer forma, estamos vendo passagem para a próxima segunda-feira [20], um dia antes da vernissage.

    Folha - Por que você não está nesse coletivo "Pixação SP" que vai integrar a Bienal deste ano?

    Caroline - Eu pensei muitas vezes --em ir, em não ir-- e algo me diz que não é para eu estar lá dessa forma. Pode ser um pingo de mágoa, não sei explicar.

    Folha - Quando você estava na cadeia, me disse o seguinte: "Tanto grafite, quanto pixo são underground, coisa do fundão. Não são feitos para exposição em galeria. A parada que eu faço é na rua, é para o povo olhar e não gostar. Uma agressão visual". Isso explica?

    Caroline - Olha, nem tanto por essa parada de ser corrompido ou não. Hoje em dia eu já cheguei à conclusão de que não há nada de mal em um cara ganhar dinheiro com isso, se ele for um cara que representou, que teve uma caminhada legal e se ele puder levantar a voz a respeito, entende? Mesmo porque, por mais que ele vá para dentro de uma galeria e ganhe dinheiro com isso, não é todo mundo que vai aceitar, não tem como isso ser domesticado. Por mais que algumas pessoas aceitem, por mais que se ganhe dinheiro, por mais que seja legalizado, ainda vai incomodar. Tenho certeza que nunca vai ser domesticado.

    Folha - Tem muito pichador que não compartilha dessa opinião sobre ganhar dinheiro com o "pixo".

    Caroline - Sim, o pessoal da antiga. Não é que eles batem de frente com a gente, mas não concordam. Eles estão sempre fazendo críticas, não entenderam e não vão entender. Na época deles pichar era bem mais difícil também.

    Folha - Voltando à Bienal, parece que nem pichadores, nem curadoria sabem bem o que vai acontecer e...

    Caroline - E pode ser que tenha alguma surpresa no dia, né?

    Folha - Sim, vários pichadores estão sendo convidados. Qual vai ser, na sua opinião, a reação deles neste retorno ao pavilhão do Ibirapuera?

    Caroline - A gente não pode falar para eles faz ou não faz, entende? Quem vai tomar essa partida são eles mesmos. Só sei que, por tudo que passei... hoje em dia, se seu fosse sozinha, se eu não tivesse minha filha, talvez chutasse o balde novamente. Mas, hoje, eu tenho que pensar não só em mim, mas também na minha filha. Mesmo porque ela só tem eu, o pai dela morreu, então é complicado.

    Folha - O que você acha da Bienal abrigar pichadores nesta edição, após o conflito que houve em 2008?

    Caroline - Acho que eles tiveram um pouco de medo, sei lá, de receio, sabe? Do tipo, "vamos se juntar a eles, né". Mesmo porque eu acho que a gente [pichadores] é muito mais forte que eles [Bienal].

    Folha - Você tem pichado?

    Caroline - Não. Não tem como agora. Minha filha é muito pequena. Não vou sair varando a noite e deixar minha filha em casa para pichar. O mais importante para mim é ela. Antes, era a pichação. E neste mês fez um ano que eu não picho mais. Mas, mesmo assim, continuei colando nos "points" e frequentando as festas. Agora eu tô parada, mas não posso dizer que larguei para sempre.

    Depois bota lá no YouTube "Grilo 13 - Pixar É Humano" e ouve a letra da música. Ela diz exatamente o que é a pichação. É isso: a gente nunca vai ser valorizado, a gente faz porque a gente gosta. O pai da minha filha morreu fazendo o que gostava. E eu tenho certeza que ele foi, mas foi feliz por ter representado a cena paulistana da pichação tão bem.

    Folha - Você colocou no seu fotolog imagens de pichações e disse que são dos "herdeiros". O que isso significa?

    Caroline- Esses "pixos" são os nomes da minha filha e dos filhos de duas pessoas que faziam [pichação] comigo. Como forma de demonstrar amor por mim e pela minha filha eles jogam o nome dela também nos prédios.

    Folha - Sua filha também vai pichar quando crescer?

    Caroline - Acho que a criação dela vai ser bem diferente da minha [Caroline não foi criada pelo pai]. Vou saber explicar melhor as coisas para ela.

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