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    Foucault une ética e retórica em livro inédito no Brasil; leia entrevista com o tradutor

    MARCELO MARANINCHI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    09/01/2011 08h00

    De 5 de janeiro a 9 de março de 1983, o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) ministrou um curso no Collège de France sobre a "parresía", conceito grego que representa o "falar com franqueza". A obra une ética e retórica e tem sua primeira edição no Brasil (WMF Martins Fontes, 386 págs., R$ 68).

    Eduardo Brandão, que traduziu seis volumes dos cursos dados por Foucault na prestigiosa instituição francesa, fala à Folha sobre os desafios da tradução e sua própria experiência como leitor: "Foucault é simples, claro e direto".

    Folha - Como foi a tradução do livro? Você teve alguma dificuldade ou algum cuidado especial com os conceitos desenvolvidos por Foucault no livro?

    Eduardo Brandão - O tempo para traduzir variou um pouco, conforme os livros. Em torno de uns 3 ou 4 meses em média. Houve dificuldade com alguns conceitos, mas foram resolvidas pelos especialistas, que passaram as traduções já adotadas aqui. Tratei sempre de seguir o que já estava estabelecido nas traduções anteriores.

    Fora a questão da coloquialidade dos cursos, a tradução não traz maiores problemas para quem a faz: Foucault é de uma clareza cristalina, a paixão com que expõe suas ideias em nada dificulta a limpidez da exposição. Ao contrário, a coloquialidade faz o leitor sentir-se numa das salas transbordantes de gente do Collège de France, assistindo como que a um bate-papo com o pensador.

    Aliás, notei uma coisa curiosa. Quando respondo a alguém que estou traduzindo Foucault, o perguntador escancara a boca, "puxa vida!", como se fosse um trabalho quase impossível, de uma complexidade inaudita, coisa de deixar Homero no chinelo.

    Não sei de onde vem essa fama de complicado que, para quem nunca o leu, costuma acompanhar Foucault. De complicado não tem nada, é simples, claro e direto.

    Quando cria novos conceitos, forjando muitas vezes novas palavras ou dando novo sentido a palavras existentes, o faz de forma tão bem explicada que não é preciso nenhuma especialização em nada, muito menos em "foucaultianismo" para entender. Está ao alcance de qualquer bom leitor.

    "O Governo de Si e dos Outros" é um curso. O fato de ter sido ministrado oralmente e depois transcrito impõe também uma dicção oral à obra. Isso gerou alguma preocupação com o registro linguístico?

    Essa foi de fato a dificuldade inicial maior da tradução dos cursos: o estilo coloquial, os vaivéns, hesitações, interrupções típicas da elocução oral. Suas aulas são uma espécie de matéria-prima do que poderia posteriormente ter sido aproveitado num livro. Não são um trabalho pronto, mas o balanço de um trabalho em andamento, a apresentação dos resultados de suas pesquisas. Deixa muita coisa em aberto, dá várias pistas de pesquisa, uma mina para filósofos, historiadores, sociólogos... E uma fonte de conhecimentos e informação para todo leitor que se interesse pelos dilemas do homem e da nossa sociedade.

    Dá um pouco mais de trabalho para traduzir suas aulas do que um texto originalmente escrito, preto no branco, é preciso fazer uma ou outra adaptação, quando o coloquialismo do autor soaria demasiado forçado na nossa língua, mas sempre tomando cuidado para não me distanciar muito do original.

    De todo modo, essa oralidade não compromete em nada a clareza e o rigor do seu raciocínio. Às vezes, a maior espontaneidade do discurso oral contribui para ressaltar a genialidade de Foucault, as suas formidáveis "sacadas" --como ele talvez tivesse dito no falar informal das aulas--, justamente por saírem assim, mais livres, num rasgo de inspiração.

    Traduzir é, em grande medida, ler por dentro do texto. Você frisou não ser "foucaultiano". Como é sua relação com a obra de Foucault? Ele faz parte de suas leituras? Isso afeta, de algum modo, seu trabalho?

    Da obra dele conhecia, antes de traduzir estes cursos, apenas a "História da loucura", que li quando jovem. Não dei seguimento, infelizmente. Traduzi-lo agora até me deu um certo pesar: ter levado tanto tempo para voltar a esse pensador tão extraordinário!

    Traduzi-lo interfere muito positivamente no meu trabalho. Porque interferiu, ampliando-a, na minha maneira de encarar o mundo, a sociedade, sua história --o homem, até mesmo, sobretudo com "A coragem de viver"--, de compreender de um novo ponto de vista muitas coisas que eu mesmo, que minha geração (a "geração de 68") viveu. Foucault é um desses autores que contribui, e muito, para abrir um pouco mais nossa cabeça.

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