Para a maior parte da crítica francesa, "Holy Motors", de Leos Carax, foi o grande acontecimento do último festival de Cannes e, depois, do verão cinematográfico (o filme estreou na França na quarta-feira passada e ainda não tem previsão de lançamento no Brasil).
Celebrado pela invenção e pela beleza, o filme deixou os críticos felizes por mostrar em grande forma artística um cineasta que eles acreditavam ser um caso perdido. Leos Carax foi o geninho do cinema francês nos anos 80, quando rodou "Boy Meets Girl" (no Brasil, "Encontros e Despedidas" e "Rapaz Encontra Garota", 1984) e depois "Sangue Ruim".
Seu terceiro filme, "Os Amantes do Pont Neuf"(1991), foi uma catástrofe financeira que manteve Carax longe do cinema por um bom tempo. Ele fez o belo e desigual "Pola X" em 1999, depois um segmento do filme coletivo "Tokyo!" em 2007, mas sem alcançar o sucesso.
Ou seja, de 1992 até hoje, Leos Carax era mais um fantasma intermitente do cinema que um cineasta desenvolvendo sua obra. A beleza de "Holy Motors" reside talvez nessa longa ausência e no efeito ressurreição: afastado por diversas razões, um grande cineasta melancólico volta triunfalmente a seu reino.
O trailer do filme, com legendas em inglês, pode ser visto aqui.
OS PODALYDÈS...
Se Carax viveu um longo eclipse, faz uns bons 20 anos que os irmãos Podalydès encantam regularmente o cinema e o teatro francês. Bruno, o diretor, semeia filmes que são pura fantasia, enquanto Denis, o ator, tornou-se um dos maiores e mais produtivos puxadores de bilheterias do país.
Os dois estão em "Adieu Berthe - l'Enterrement de Memé" (adeus, Berthe - o enterro de vovó), melancólico filme sobre a família, as relações entre casais, entre irmãos, entre gerações (assista ao trailer, em francês).
Eles também estão presentes no último Alain Resnais, "Vous n'Avez Encore Rien Vu": Denis interpreta o duplo ficcional do diretor e dirige um filme dentro do filme.
E não é só isso. O incansável Denis dirige no teatro parisiense Bouffes du Nord o clássico de Molière "O Burguês Fidalgo", primeira comédia sobre o acesso da classe média à cultura.
A direção é total, repleta de cores (figurino de Christian Lacroix), de movimento, música, balés, fiel ao espírito original da peça. Denis olha com empatia a esse burguês, às vezes ridículo, do qual gostamos tanto de caçoar.
...E OS DARDENNE
Os irmãos Dardenne são mais famosos que os Podalydès. Eles não apresentaram nenhum filme em Cannes neste ano, mas Luc acaba de publicar "Sur l'Affaire Humaine" (Seuil), obra seriíssima e até mesmo grave.
Construída em capítulos curtos, impregnada de filosofia (Levinas) e psicanálise (Freud), esse livro mergulha em águas profundas, examinando temas como a morte, a violência, a relação com o outro, a ausência de deus.
Cabeça, complexo, o pensamento de Luc Dardenne jamais é esotérico: o cineasta-escritor se expressa em linguagem clara, acessível, e reflete sobre questões que podem assombrar cada um de nós em cada momento de nossas vidas. Esse livro é também um facho de luz valioso no húmus profundo no qual se enraíza o cinema dos Dardenne.
"FRENCH TOUCH"
Por um bom tempo, o rock francês foi ruim ou, no máximo, não passava de uma cópia do anglo-saxão. Na onda do "french touch" e de bandas como Daft Punk, Air, Justice ou Phoenix, uma nova geração de músicos franceses enfim atingiu uma criatividade original e se inseriu com sucesso na sonoridade pop rock planetária.
A internet sem dúvida contribuiu para que o pop "made in France" saísse da toca. Exemplo atual, o M83, que existe desde 2001, faz turnês pelo mundo inteiro, inclusive nos EUA.
Hoje, o M83 é essencialmente um rapaz, Anthony Gonzales, que foi morar em Los Angeles, onde foi contatado para fazer a trilha sonora original de um futuro blockbuster com Tom Cruise ("Oblivion"). O último single do M83, "Midnight City", foi escolhido como jingle pelo TF1, maior canal da TV francesa, para a transmissão da Eurocopa.
Com isso, as vendas de "Midnight City" dispararam, um ano depois da estreia. Será que a TV popular se moderniza ou é o pop que está deixando de ser descolado?
Não importa; a aliança entre dois mundos a priori antinômicos é uma novidade na paisagem francesa. Veja o clipe aqui.
Tradução de PAULO WERNECK.
SERGE KAGANSKI, 53, é jornalista da revista francesa "Les Inrockuptibles", da qual é cofundador.