Albert Hirschman, que morreu em dezembro passado aos 97 anos, foi um dos mais notáveis cientistas sociais da sua época. Ele é mais conhecido por "Saída, Voz e Lealdade" (1970), que descrevia como indivíduos de organizações em declínio, sejam Estados ou empresas, têm a escolha se retirarem, agitarem por mudanças ou permanecerem leais.
Aquele livro era em parte um ataque ao liberalismo de Friedrich Hayek e Milton Friedman, que na opinião de Hirschman minimizava o papel da política --em particular quando se tratava do ator econômico que ficava para lutar ao invés de sair para procurar uma opção mais racional. Mas, para seu biógrafo Jeremy Adelman, isso também estava ligado à culpa enterrada de Hirschman por ter fugido da Alemanha em 1933, quando Hitler virava chanceler.
Na verdade, o horror pleno do nazismo ainda não era aparente naquela época. Hirschman, filho de uma família judia de classe média-alta em Berlim, foi embora mais para cumprir a determinação de toda a vida de encontrar seu próprio caminho do que para fugir.
Foi para Paris e adquiriu os rudimentos de uma formação econômica. Sempre um antifascista, voluntariou-se para lutar pela República Espanhola na milícia de orientação anarquista Poum --perdendo, ao observar a sinistra influência da União Soviética naquela guerra, qualquer vinculação remanescente que ele tivesse com o comunismo.
Quando a Wehrmacht invadiu a França, em 1940, Hirschman aderiu ao Exército francês --para ser rapidamente rebaixado, quando do seu colapso, ao status de refugiado, rumando para Lisboa. Lá, associou-se ao jornalista americano Varian Fry, tão ousado quanto ele, para auxiliar judeus e outros alvos dos alemães --incluindo Hannah Arendt, André Breton, Marc Chagall e Marcel Duchamp. Com a polícia fechando o cerco, ele foi embora para os EUA, aonde chegou em 1941.
Mais ação se seguiu. Ele entrou para o Exército dos EUA e foi cedido ao Escritório de Serviços Estratégicos, antecessor da CIA, onde trabalhou principalmente como intérprete. Há uma foto extraordinária, que foi parar na capa do "The New York Times", em que Hirschman olha atentamente para um general da Wehrmacht, Anton Dostler, para quem ele estava traduzindo no primeiro dos julgamentos por crimes de guerra feitos pelos Aliados. Dostler foi considerado culpado por ordenar a morte de prisioneiros, e foi executado.
Nos EUA, Hirschman se casou com Sarah Chapiro, concluiu sua formação em economia, entrou para o conselho do Federal Reserve (Banco Central dos EUA) e trabalhou no Plano Marshall. Depois, voltou-se para a economia do desenvolvimento, assessorando governos como os da Colômbia, onde morou por alguns anos. Obteve uma série de cargos universitários cada vez mais prestigiosos, à medida que o estudo do desenvolvimento se deslocou para o centro da economia acadêmica e do debate político, num país consumido, na década de 1950, pelo fervor anticomunista.
Adelman acompanha atentamente as guinadas e avanços do pensamento dele. Muito influenciado pelos clássicos --especialmente "O Príncipe", de Maquiavel, "Os Ensaios", de Montaigne, e "A Riqueza das Nações", de Adam Smith--, Hirschman buscou ampliar o escopo da economia e das ciências sociais. Onde o consenso dos economistas do desenvolvimento era pelo crescimento equilibrado, Hirschman defendeu o "crescimento desequilibrado". Enquanto outros, como Friedman, lideravam o triunfo da economia neoliberal baseada no direito dos indivíduos de "saírem" dos meios coletivos e estatais, Hirschman, que não era nenhum anticapitalista, argumentava que havia também um lugar para o comunitário.
O ecletismo era a sua marca registrada: exemplos práticos eram sempre um antídoto à teoria abrangente. Isso significava que seu pensamento se baseava muito no que ele chamava de "petites pensées": "Saída, Voz e Lealdade" teve suas origens em reflexões dele sobre as ferrovias nigerianas; um trabalho posterior, sobre a frustração, em um anúncio da BMW. Sendo, segundo todos os relatos, um péssimo professor, ele foi um fértil homem de ideias, entre os melhores daquela geração de europeus centrais e orientais, muitos deles judeus, que enriqueceram um Ocidente que se preparava para a batalha enquanto a tirania campeava.
Adelman, historiador da América Latina e colega do biografado em Princeton, dedicou muito trabalho a "Worldly Philopher" ["filósofo mundano"]. Com mais de 700 páginas, ele não tem remorsos por ser tão detalhado, e pode parecer repetitivo. Mas, contrabalançando esse defeito, há a simpatia e a habilidade com as quais um professor lida com o outro; o tempo que ele dá às ideias; as sugestivas ligações que ele traça entre vida e obra. É um ótimo livro, digno de um ótimo homem.
Tradução de RODRIGO LEITE.