RESUMO Herdeiro de Hugo Chávez diz que "direção coletiva" do chavismo está unida, defende Forças Armadas na política e afirma que TVs públicas têm que educar para a revolução. Em campanha para a Presidência da Venezuela, ele diz que o país enfrenta uma 'guerra econômica' e que se inspira na 'ética' e na liderança de Lula.
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Mãos ao volante, Nicolás Maduro, que assumiu a Presidência da Venezuela depois da morte de Hugo Chávez, em março, dá uma guinada à esquerda e breca a perua Ford que dirige em frente ao portão de uma casa de Barinas, cidade do interior da Venezuela que fica a 500 quilômetros de Caracas.
"Vocês podem me esperar no carro por dois minutinhos? Vou visitar uma pessoa e já volto", pede ele às jornalistas da Folha, interrompendo uma conversa que já durava quase 20 minutos.
O portão se abre, Maduro estaciona na pequena garagem ao lado da sala da residência. Da porta sai uma senhora que chora. Os dois se abraçam. Ela soluça ainda mais.
É dona Elena Chávez, a mãe de Hugo Chávez. Outro filho dela, Adán Chávez, governador do Estado de Barinas, se aproxima. Os três desaparecem por 30 minutos.
Na volta, Maduro assume novamente a direção do veículo. "Ainda dói para ela, ainda mais quando nos vê. Todas as lembranças do filho voltam, é duro demais", diz ele sobre dona Elena. "Mas siga com suas perguntas", diz. "Fale, fale tudo, sobre o que você quiser".
Depois de seis dias de espera na Venezuela, ele finalmente concedia a entrevista exclusiva. Falava ali mesmo, no carro, no caminho entre o comício que fizera de manhã com cerca de 30 mil pessoas, num ginásio da cidade em que Chávez passou a infância, e o aeroporto, onde embarcaria para nova atividade.
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É comum Maduro dirigir o próprio carro na campanha. Apontado como sucessor por Chávez, ele disputa a Presidência com Henrique Capriles, candidato da oposição. Pesquisas colocam Maduro como favorito nas eleições marcadas para o próximo domingo (14).
O evento político em Barinas tinha sido especialmente agitado. Parte da família do líder morto estava ao seu lado no palanque.
"Se todos nós aqui somos filhos de Chávez, o que é Adán para nós? Um tio protetor!", discursava Maduro, braços dados com o irmão do ex-presidente. "Chávez vive! A luta segue!", gritava a multidão.
"Enfrentamos a desaparição física de nosso comandante eterno. Vamos defender esta revolução, o legado de Chávez. Preciso do apoio de vocês, desta linda e gloriosa família de Chávez." E o público: "O povo unido jamais será vencido!".
"Vocês querem o capitalismo?", perguntava. "Nããão", respondia a multidão. "Vocês decidem se querem Nicolás Maduro, um filho de Chávez, ou o burguesinho que entrega a pátria!", dizia, referindo-se a Capriles. "Volta para a sua mansão em Nova York, burguesinho caprichoso. Vou te derrotar com a ajuda desse povo glorioso."
No fim, Maduro ergue a mão: "Juro...", grita ao microfone. A população imita o gesto. E repete: "Juro...". Segue ele: "Cumprir os ditames do nosso comandante Chávez...". A multidão ecoa, em uníssono.
Ex-motorista de ônibus, sindicalista, era deputado e presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, em 2006, quando Chávez o escolheu para ser o chanceler do país. Foi pego de surpresa. Juntou assessores, abriu o mapa-múndi e disse: "O mapa de Caracas eu conheço perfeitamente. Agora tenho que conhecer este aqui".
É casado com a advogada Cilia Flores, nove anos mais velha e militante de destaque no chavismo: ela também presidiu a Assembleia Nacional e foi procuradora-geral da República. Têm um filho, o flautista Nicolás Ernesto, e um neto.
À Folha Maduro disse não acreditar que a oposição chegue algum dia ao poder na Venezuela "no século 21". Afirmou que os meios de comunicação públicos têm que "educar o povo para a revolução", defendeu a participação das Forças Armadas no processo político e disse que o socialismo venezuelano prevê uma iniciativa privada forte no país.
Apoiado por Lula, que enviou a ele um vídeo para ser usado na campanha, Maduro reagiu às declarações de seu opositor, que diz ter o governo do ex-presidente do Brasil, capitalista mas que combate a pobreza, como modelo. "Lula para nós também é um pai."
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Folha - Como será o chavismo sem Chávez, que era formulador, estrategista e porta-voz do governo?
Nicolás Maduro - O presidente Chávez fundou um movimento revolucionário e de massas na Venezuela. Deu a ele uma ideologia e uma Constituição. Nosso processo revolucionário está constitucionalizado. Ele nos dotou de um corpo de doutrinas e de princípios. Nos deixou um testamento político, o programa da pátria, com objetivos de curto, médio e longo prazos. E promoveu um nível de participação e de protagonismo das amplas maiorias como nunca se viu na história da Venezuela. Estamos preparados para seguir fazendo a revolução. Ele formou um povo. Nos formou para um projeto.
Mas 44% dos venezuelanos, que votaram na oposição nas eleições presidenciais de 2012, não estão de acordo com esse projeto. E se, agora ou no médio prazo, vocês perderem uma eleição?
Nós aceitamos todas as eleições que perdemos. A Venezuela tem governadores e prefeitos de oposição. Tem deputados, 40% do Parlamento. Se algum dia ganharem, coisa que eu duvido que se passe no século 21, bem, ganhariam e assumiriam a Presidência. E teriam que ver o que fazer com o país. A Venezuela tem um povo consciente e bases sólidas de país independente em vias do socialismo.
Vocês falam muito de unidade. Mas há vários grupos no chavismo. Não pode ocorrer um racha, como houve com o peronismo na Argentina?
O movimento revolucionário nacional está unido ao redor da imagem, da espiritualidade e da ideologia de Chávez. De um projeto de pátria. Pátria grande. Está unido ao redor de uma direção coletiva que ele construiu. E ao redor da designação do comandante Chávez da minha pessoa como condutor da revolução para essa etapa. Estamos unidos.
Sem a liderança incontrastável de Chávez, haverá alternância na liderança do chavismo?
Nem um "pitoniso", um bruxo, um vidente, ninguém pode saber o que nos reserva o destino. O que te digo é que neste momento histórico estamos solidamente unidos. E o mundo deve saber que essa direção coletiva já passou por várias provas de fogo. Estamos prontos para a vitória em 14 de abril e para governar muito bem o nosso país.
Na Venezuela, canais privados de televisão fazem campanha para o candidato de oposição à Presidência, Henrique Capriles. E canais estatais fazem campanha para o senhor. Os canais públicos são de todos. Não deveriam ser neutros?
Os canais públicos, em uma revolução como a que estamos vivendo na Venezuela, têm que formar o povo, educar o povo, prepará-lo para essa revolução. Têm que sair defendendo a verdade frente a uma ditadura midiática que promoveu um golpe de Estado [em 2002, as emissoras privadas apoiaram a tentativa frustrada de depor Chávez]. Foi o primeiro golpe de Estado dado por canais de televisão. É preciso buscar uma leitura mais próxima do que se passa na Venezuela. Os canais públicos têm sido o contrapeso necessário e são o sustentáculo para estabilizar a sociedade. Se tivessem desaparecido nos últimos seis anos, haveria uma guerra civil. Os canais privados nos teriam levado a uma guerra de todos contra todos.
A Globovisión, emissora privada de oposição, está sendo vendida a um empresário amigo do governo. E assim é possível que quase todos os meios sejam favoráveis ao governo.
Nós soubemos pela imprensa que a Globovisión estava sendo vendida. Em todo caso, é uma negociação entre empresários amigos. É problema deles, realmente. É preciso ver como termina. Quem sabe a mensagem mais poderosa da venda da Globovisión é a de que sabem que estão perdidos.
Eles dizem que fizeram de tudo para eleger a oposição a Chávez, o que os levou a uma situação precária.
A Globovisión simplesmente jogou para derrubar o governo e fracassou. E o fracasso político e de comunicação os levou a um fracasso econômico. Estão quebrados, dizem eles. E simplesmente estão separados da sociedade. Sabem que vamos governar este país por muitos anos, a revolução continua. E eu creio que estão cansados já. Se cansaram, se renderam.
O candidato Capriles diz que não tem acesso às rádios porque as que dão abertura à oposição são perseguidas. Não é importante que as vozes divergentes tenham espaço?
Bem, mas elas têm 80% dos meios de comunicação. Se você vai agora mesmo a qualquer lugar de Barinas e compra os jornais, verá que são privados e contra o governo. As televisões regionais, as rádios, 80% a 90% delas são contra o governo. Fazem seu negócio, vendem seu produto.
Eles [oposição] têm todos os meios, nós temos um só: a consciência popular, que os derrota todos os dias. Quanto mais veneno jogam, mais as pessoas reagem. Você pode andar por qualquer lugar em Caracas. Encontrará um povo com consciência. Como se criou isso? Com a liderança do presidente Chávez, que era pedagógico, saía à rua, falava, formava as pessoas.
Não há um culto à personalidade de Chávez na Venezuela?
Não houve em vida e agora o que há é amor. Culto ao amor, ao agradecimento do povo a um líder que já é chamado na América de Cristo Redentor dos Pobres. Um homem que transcendeu as nossas fronteiras.
A chamada "união cívico-militar" é um dos pilares do chavismo. Em um continente como a América Latina, com histórico de golpes militares, não seria melhor que as Forças Armadas estivessem afastadas do processo político?
Nós temos Forças Armadas que resgataram os valores do libertador Simón Bolívar, que têm uma doutrina anti-imperialista e anticolonialista, latino-americana, própria. Você sabe que os EUA estão funcionando como um vampiro sedento, buscando as riquezas petroleiras e os recursos naturais do mundo com guerras, invasões. E as nossas Forças Armadas têm agora uma doutrina de defesa integral do país, das maiores reservas petroleiras do mundo. Defendem o nosso sonho, a nossa terra.
Têm uma doutrina nacionalista, revolucionária, assumiram o socialismo como causa da humanidade para construir uma nova moral. Aqui se formavam oficiais com os manuais da Escola das Américas [financiada pelos EUA], que formou as Forças Armadas latino-americanas por cem anos. Ensinavam os nossos oficiais em inglês, quase sem tradução. É uma vergonha que não ocorre mais.
No Brasil é considerado uma grande conquista o fato de as Forças Armadas não interferirem mais na política interna. Por princípio, não seria melhor que na Venezuela elas também estivessem nos quartéis e a disputa política ocorresse somente entre civis?
Não, é um erro. As Forças Armadas não podem estar nos quartéis. Têm que estar nas ruas, na fábrica, nos bairros, com o povo, para poder defender a pátria. Não podem ser uma elite alijada. Não. Têm que fazer parte do mesmo povo.
E com forte participação política?
Bom, depende do que você entende por política. O que as nossas Forças Armadas não têm é formação partidária. Você não vai ver nenhum oficial mandando votar por nenhum partido político, nem fazendo campanha por um partido.
Não, presidente? Quando o ministro da Defesa, Diego Molero, diz que as Forças Armadas tudo farão para atender aos desejos de Chávez, isso é interpretado como um pedido de voto para o senhor.
Bem, o que as pessoas têm que saber, e oxalá se saiba no Brasil, é que o nosso almirante-em-chefe Molero deu essa entrevista um dia depois da morte do nosso presidente. E o candidato da oposição havia ofendido fortemente a família do presidente. Duvidou da morte do presidente. Colocou em questionamento a possibilidade de eu assumir a Presidência [Maduro era vice]. Nossos oficiais estavam indignados. E ele [Molero] então disse "respeitamos o nosso novo comandante-em-chefe Nicolás Maduro, presidente da República". Foi um gesto constitucional e também moral. Não eleitoral.
O governo do ex-presidente Lula diminuiu a pobreza mas nunca falou em mudar as estruturas capitalistas da sociedade brasileira, como pregava Hugo Chávez na Venezuela. O que o senhor acha de quando colocam o "lulismo" em contraponto ao "chavismo"?
Cada país tem o seu ritmo. Eu fui testemunha de pelo menos 14 reuniões do presidente Lula com o presidente Chávez. E posso te dizer que eram dois irmãos. Os dois se entendiam perfeitamente. E os dois sabiam que tanto o que Lula fazia, como grande líder do Brasil, quanto o que Chávez fazia aqui era parte de um só processo, de libertação da América Latina.
Não tem a esquerda boa, com Lula, e a esquerda má?
Tentou-se por muito tempo [dizer isso]. Em 2007, havia toda essa campanha brutal contra o presidente Chávez. E Lula propôs, para que eles não brigassem... ele dizia assim: [imitando Lula] "'Chávess', vamos fazer uma coisa. Vamos nos reunir a cada três meses para acabar com a intriga". E assim se fez. Foram mais de 14 reuniões a partir daí. Agora, sim, o que posso te dizer: Lula para nós também é um pai. Porque Lula é fundador das correntes de esquerda de novo tipo que surgiram nos anos 80 adiante. Nós nos inspiramos na ética de Lula, na energia dele, em sua liderança trabalhadora.
Mas Lula, como eu disse, não fala em mudar o capitalismo.
Cada um lidou com a circunstância histórica do seu país. E Lula empurrou o Brasil até uma grande onda progressista, de prosperidade, de desenvolvimento.
O candidato Capriles diz que o modelo dele é Lula.
Para a direita pega muito mal... para uma direita que nunca trabalhou pega muito mal colocar-se "barba a barba" com Lula. Lula ganhou trabalhando nos fornos da luta, da história.
Ele elogia Lula por combater a pobreza sem mexer no setor privado.
Se há algo a dizer de Lula, Néstor Kirchner, Cristina [Kirchner] e outros líderes é que são, na essência, antineoliberais. Libertaram nossos países do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. E essa direita que trata de se colocar disfarçada de Lula é, em sua essência, privatizadora, dependente da forma neoliberal e do FMI. Não têm nada que ver com o legado nem com o patrimônio político e cultural dos valores que Lula representa.
No governo Chávez, a presença do Estado avançou. Mas o setor privado ainda representa 58% da economia. Se vitoriosos, vocês vão estatizar mais empresas, mais setores? Até onde vai o que chamam de "socialismo do século 21"?
O socialismo do século 21 é diverso. Tem as particularidades e está enraizado na dinâmica verdadeira de cada país. Cada um tem a sua realidade. E não podemos achar que há menos ou mais socialismo porque o nosso, o boliviano, o equatoriano, o nicaraguense ou o cubano não se parecem com as experiências da antiga União Soviética ou da Romênia.
Há lugar então para um setor privado forte?
A história está por ser escrita. Há espaço para investimentos que venham a desenvolver um modelo produtivo e inclusivo. Lamentavelmente na Venezuela os cem anos de modelo de rentismo petroleiro não permitiram que surgisse um capital forte. No fundamental, o capital se articulou à renda petroleira sem gerar capacidade produtiva e desenvolvimento tecnológico. Esse capital não tem visão de país, nacionalista.
É diferente do que se passou no Brasil ou na Argentina, por exemplo, que tiveram burguesias nacionais. Na Venezuela não há burguesia nacional. Nossas dificuldades são então maiores. Os setores que se dedicaram à atividade econômica privada têm laços de dependência muito forte com o capital estadunidense.
É por isso que estão em todos os processos de sabotagem da economia e da política. Quem sabe agora comece a surgir, e vem surgindo, um setor misto de capital venezuelano e de investimentos de outras partes do mundo. Capital brasileiro, argentino, uruguaio, em aliança com um novo capital privado na Venezuela.
Uma burguesia vinculada fortemente ao Estado?
Todo esse modelo está em elaboração. Nesse momento estamos fazendo um chamado e buscando instrumentos para financiar e construir setores privados que sejam nacionalistas e que nos permitam diversificar a economia.
Privado integralmente?
Claro. Totalmente. Com financiamento, incentivo. De todos os tamanhos, pequeno, médio, grande, vinculado à tecnologia, à indústria, ao comércio. Vinculado ao capital de outras partes do mundo, Brasil, Argentina, Rússia, China. Capital estadunidense.
Então Cuba é inspiração para o chavismo, mas não o modelo a seguir.
Cada um tem suas particularidades. A Cuba coube viver uma história dos anos 60, 70, muito marcada pela chamada Guerra Fria. Bem, Cuba foi contra nossos antigos modelos políticos, sociais, econômicos.
E está se abrindo.
Cuba tem seu próprio processo de aperfeiçoamento do socialismo. Precisamente o bonito da Alba [Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, integrada por países como Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba e Nicarágua] é que nós todos temos formas diversas de economia. E diversos conceitos do que é o socialismo neste momento em cada país. E podemos andar juntos, e vamos aprendendo uns com os outros.
Acredita que é possível o socialismo pela via democrática, como Salvador Allende [ex-presidente do Chile que sofreu um golpe militar em 1973] tentou, sem sucesso?
Até agora, sim, creio que é possível. Creio inclusive que, salvo se o império estadunidense ficar louco e pretender nos derrotar pela via da força, ou invadir esse país, o caminho da Venezuela seguirá sendo a democracia ampla, profunda, de amplas liberdades e transformações pacíficas, que são as que de verdade deixam raízes. Toda transformação que se dá pela via do debate democrático e da decisão popular são decisões verdadeiras que têm solidez na soberania e na consciência dos povos.
Se a Venezuela continuará a ter um setor privado forte, como se chegará então ao socialismo?
O socialismo tem várias dimensões. A principal delas é a espiritual, a moral, a ideológica, de transformação do ser humano. E quando o ser humano dessa sociedade, por todo processo de educação, de nova cultura, de nova prática política, de participação, de novas relações econômicas, de produção, começa a funcionar de outra forma, então existem as condições para a sociedade socialista, que supere o individualismo, o desejo de riqueza individual. E, cavalgando junto, vão as transformações para um novo modelo econômico, que supere, no caso da Venezuela, o capitalismo rentístico, especulador. E que faça as bases de uma economia produtiva, diversificada, que crie riqueza para ser distribuída através da saúde, educação, alimentação, seguridade social, para que o povo tenha níveis de vida dignos, para que se supere a pobreza definitivamente.
Quando Chávez morreu, a presidente Dilma Rousseff fez elogios, mas disse que em muitas ocasiões o governo brasileiro não concordou com o da Venezuela.
Nós integramos a Unasul [União das Nações Sul-Americanas], o Mercosul, comunidades democráticas onde se debatem ideias. E quando se debatem ideias normalmente surgem opções.
O Banco do Sul, por exemplo, do qual fariam parte os países da América do Sul, não foi aprovado ainda no Congresso brasileiro. Está lento.
Você sabe que os temas que têm que ver com o parlamento sempre são lentos. Nós temos uma comissão já de caráter presidencial que reúne os delegados de cada presidente do Banco do Sul. Tudo está pronto. Só esperamos que o Congresso brasileiro o aprove para que entre em vigência de maneira rápida, automática.
O Brasil também não integrou a TeleSur [emissora financiada por vários países latino-americanos], o projeto do gasoduto do sul [que ligaria Venezuela, Brasil e Argentina] não andou.
Bem, são projetos sobre os quais têm havido debates. A TeleSur é uma linda realidade de comunicação alternativa que venceu a ditadura midiática das grandes cadeias de televisão. Quem sabe mais adiante [o governo brasileiro se integre ao projeto]. Seguramente as portas da TeleSur estão abertas para o governo da presidenta Dilma e de qualquer iniciativa que venha a fortalecê-la.
E a refinaria Abreu e Lima [parceria da Petrobras com a petroleira venezuelana PDVSA que até agora, por divergências em relação ao financiamento, conta com recursos apenas do Brasil], como está?
Não tenho os detalhes atualizados, mas sei que marcha agora melhor. E que vai ter um final feliz.
A economia é considerada uma má herança de Chávez. A inflação é alta. Há um certo nível de desabastecimento, de 20%. E uma dependência muito grande do petróleo. Haverá ajustes no governo?
No dia 22 de fevereiro, conversamos por cinco horas com o presidente Chávez sobre temas econômicos. E ele disse: "Veja, Nicolás, estamos em uma guerra econômica". Porque, com a enfermidade do presidente, os interesses econômicos nacionais e internacionais se lançaram a desabastecer [o país] de produtos, a especular com os preços e com o valor do dólar. Eles acreditavam numa hecatombe econômica que chegaria a uma explosão social e a uma desestabilização política. Nós estamos enfrentando. Vamos torcer o braço do dólar paralelo, vamos torcer até lá embaixo.
E a inflação?
É um problema do funcionamento especulativo do capital. A inflação nos 14 anos antes do presidente Chávez foi de 34%. Nestes 14 anos com ele, baixou para 22%. Planejamos levá-la à metade nos próximos dez anos. Oxalá possamos chegar a um dígito.
Haverá corte de gastos?
O mais importante é que os gastos se convertam em investimento social para proteger o povo e econômico para girar riqueza no país. E isso é uma dinâmica bendita que vai gerando mudanças na estrutura econômica e vacinando o país da especulação como sistema de fixação de preços e de movimentos da economia.