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    Laurence Sterne, autor do romance cômico "Tristram Shandy", completaria 300 anos

    ADAM THIRLWELL
    tradução CLARA ALLAIN

    24/11/2013 04h25

    Laurence Sterne, autor de um dos romances mais amalucados e mais sérios da literatura mundial, nasceu 300 anos atrás na Irlanda, em 24 de novembro de 1713.

    E a razão pela qual este romance amalucado é também um dos mais sérios se torna óbvia com a simples consideração do aniversário da grande criação de Sterne, "A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy".

    O dia em que Tristram nasceu, descobrimos, ocorreu cerca de cinco anos após o dia do nascimento de Sterne. "No quinto dia de novembro de 1718, que, para a era assinalada, era o mais perto de nove meses do calendário quanto qualquer marido poderia razoavelmente esperar -eu, Tristram Shandy, Cavalheiro, fui trazido para este nosso mundo mesquinho e desastroso."

    Porque, caro leitor calculista, temos um problema de imediato. É perto de nove meses, de fato -mas não, talvez, tão perto quanto qualquer marido poderia razoavelmente esperar. Não é, por exemplo, nove meses, e sim oito. Pois são estes os fatos declarados relacionados aos eventos que levaram ao dia do nascimento de Tristram Shandy.

    "Fui concebido na noite, entre o primeiro domingo e a primeira segunda-feira do mês de março, no ano de Nosso Senhor um mil, setecentos e dezoito. Tenho certeza que fui."

    Tristram nos revela que pode ter essa certeza porque seu pai tinha o hábito "na primeira noite de domingo de cada mês ao longo do ano inteiro -com tanta certeza quanto a de que a noite de domingo chegaria"- de cumprir dois deveres familiares: dar corda no relógio e fazer sexo com sua mulher.

    E, explica Tristram, naquele ano seu pai esteve ausente entre o dia 25 de março e a segunda semana de maio, de modo que deixou de comparecer a seus compromissos de abril e maio.

    "-Mas diga, senhor, o que fazia seu pai durante todo o mês de dezembro -e de janeiro e fevereiro?. -Ora, madame, ele esteve durante todo esse tempo aflito pela ciática."

    Em outras palavras: no primeiro domingo de fevereiro, nove meses antes do nascimento de Tristram, seus pais não fizeram sexo. E, embora isso pudesse apenas ter feito de Tristram um prematuro, como ele é tão frequentemente prematuro em sua maneira de narrar uma história -maneira essa em que "as causas se seguem aos efeitos", como observou o crítico revolucionário Viktor Shklovsky em 1925, na Moscou bolchevique-, pode também ter outra explicação.

    Tristram poderia ter sido concebido em fevereiro, quando seu pai, aflito pela ciática, estava ausente do leito de sua mãe.

    Sim, Tristram pode não ser filho de seu pai. É esse o problema silencioso de seu aniversário.

    O romance de Sterne imagina um aniversário como um enigma filosófico de ausências e vazios. De fato, qualquer ideia de sucessão, de legado, de hereditariedade, de antes e depois, qualquer ideia de tempo pode muito bem ser um equívoco. Um dia de nascimento ou um aniversário, digamos, pode não ser algo que possamos festejar.

    É essa a sabedoria intransigente deste romance cômico obsceno. "É interessante, em geral, estudar o papel do tempo nas obras de Sterne", concluiu Shklovsky na Moscou revolucionária, falando de um revolucionário maior. "O tempo 'literário' é pura convenção cujas leis não coincidem com as leis do tempo comum."

    Entretanto, é claro, este romance que tanto se compraz em confundir os nuances da concepção é um dos mais úteis na história do romance. Um dos primeiros romances a ser escrito ainda é um laboratório para experimentos futuros.

    Mas o que mais poderíamos esperar? Pois não esqueçamos que este romance começa com uma cena de coito interrompido -que, como todos sabem, é um método arriscado de contracepção.

    ADAM THIRLWELL é escritor inglês.

    CLARA ALLAIN é tradutora.

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