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    Cinco poemas de guerra

    MIKLÓS RADNÓTI
    tradução PAULO SCHILLER
    ilustração SÉRGIO SISTER

    11/05/2014 03h18

    SOBRE OS TEXTOS O poeta húngaro Miklós Radnóti (1909-44) foi enviado ao campo de concentração de Bor, na atual Sérvia, durante a Segunda Guerra Mundial. Quando os nazistas recuaram, Radnóti e outros foram obrigados a voltar para a Hungria em uma das marchas forçadas, durante a qual ele foi executado. Os textos acima foram encontrados em um caderno de notas no bolso de seu casaco quando o corpo foi exumado de uma vala comum e reunidos por sua viúva, Fanni Gyarmati (1912-2014).

    *

    MARCHA FORÇADA

    Louco quem da terra morto se levanta e de novo se arrasta,
    e com a dor do nômade movimenta tornozelos e joelhos,
    e ainda assim se põe a caminho, como se alçado por asas,
    e as valas o chamam em vão, não tem coragem de ficar,
    e se você perguntar, por que não? talvez ele responda
    que a mulher espera por ele e uma morte mais bonita, mais sábia.
    Embora o crédulo esteja louco, porque lá sobre os lares
    há muito apenas voam cinzas
    a parede da casa desabou, o pé de ameixa se partiu,
    e de medo é tormentosa a noite da terra natal.
    Oh, se eu pudesse acreditar: que não é apenas no coração que eu levo
    tudo que ainda vale a pena, e que existe uma casa à qual voltar;
    se ainda existisse! e como em outros tempos na antiga varanda fresca
    zumbisse a colmeia da paz, enquanto resfriava a geleia de ameixa,
    e o silêncio do final de verão se banhasse ao sol nos jardins sonolentos,
    em meio à folhagem frutas pendessem nuas,
    e Fanni me esperaria loira diante da cerca vermelha
    e lentamente escreveria sombra a lenta manhã, -
    mas talvez ainda possa acontecer! A Lua está tão redonda!
    Não prossiga, amigo, grite comigo! e vou me levantar!
    BOR, 1944, 15 DE SETEMBRO

    Foto Eduardo Knapp/Folhapress
    Sao Paulo, SP, BRASIL, 06-05-2014 15h47: Obras sobre papel do artista Sergio Sister para a secao Imaginacao da Ilustrissima(foto Eduardo Knapp/Folhapress.ILUSTRISSIMA)

    CARTÕES-POSTAIS

    1
    Da Bulgária, a palavra espessa e selvagem dos canhões se derrama,
    pisoteia o dorso da montanha, depois hesita e cai,
    se atropelam homens, animais, carroças e pensamentos,
    o caminho se detém gemente, o céu cacheado desliza.
    Você está sempre comigo na confusão incessante,
    no fundo da minha consciência você brilha eterna imóvel
    e muda, como o anjo que contempla o extermínio,
    ou o verme fúnebre que devora a árvore apodrecida.
    30 DE AGOSTO DE 1944. ENTRE AS MONTANHAS

    2
    A nove quilômetros daqui ardem
    rolos de feno e casas,
    e à margem dos pastos sentados mudos
    camponeses horrorizados sorvem cachimbos.
    Aqui ainda pregueia a água a pequenina pastora que pisa no lago
    e bebem nuvens sobre a água debruçadas as ovelhas felpudas.
    CSERVENKA, 6 DE OUTUBRO DE 1944

    3
    Da boca dos bois escorre saliva sangrenta,
    os homens todos urinam sangue,
    a companhia se detém em novelos malcheirosos selvagens.
    Acima de nós sopra a morte tremenda.1
    MOHÁCS, 24 DE OUTUBRO DE 1944

    4
    Desabei a seu lado, seu corpo se virou
    e já estava teso, como corda, quando se rompe.
    Tiro na nuca. - Assim será também o seu fim, -
    sussurrei para mim mesmo, - continue deitado sereno.
    A paciência agora desabrocha em morte. -
    Der springt noch auf, - ouvi acima de mim.
    No meu ouvido secava sangue misturado a lama.2
    SZENTKIRÁLYSZABADJA, 31 DE OUTUBRO DE 1944

    Notas do tradutor
    1.A palavra "companhia", acima, também significa "século" em húngaro.
    2.O companheiro morto era um violinista. A expressão em alemão significa algo como "ele ainda se debate".

    MIKLÓS RADNÓTI (1909-44), poeta húngaro, morto pela polícia nazista.

    PAULO SCHILLER, 61, psicanalista e tradutor, é autor de "A Vertigem da Imortalidade" (Companhia das Letras).

    SÉRGIO SISTER, 65, é artista plástico.

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