Nas décadas entre as duas guerras mundiais, nenhum escritor era mais traduzido ou lido do que o romancista austríaco Stefan Zweig, e nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial poucos escritores caíram mais rápido à obscuridade, ao menos nos países de língua inglesa. Mas agora Zweig, um narrador prolífico que personificava a "Mitteleuropa" (Europa central) desaparecida, parece estar de volta, e com toda força.
Novas edições de seus trabalhos de ficção, que incluem uma coletânea de contos, estão sendo publicadas, e alguns de seus títulos estão sendo lançados em inglês pela primeira vez. Algumas de suas obras estão sendo adaptadas para o cinema; um volume de correspondência seleta está sendo preparado; há planos para reeditar as muitas biografias e ensaios que ele publicou; e sua complicada vida serviu de inspiração a novas biografias e a um romance francês de grande sucesso de vendas.
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"Sete anos atrás, quando eu dizia a amigos escritores o que eu estava por fazer, eles me olhavam em silêncio, sem compreender", diz George Prochnik, autor de "The Impossible Exile", um estudo biográfico sobre os anos finais de Zweig, que saiu este mês pela Other Press. "Mas Zweig agora voltou a se tornar objeto de fascínio".
Nascido em Viena em 1881, em uma próspera família judia, Zweig cresceu em um tempo que ele descreveria mais tarde como "uma era dourada de segurança". Ele conquistou sucesso e fama cedo, e jamais os perdeu, mas a ascensão do nazismo o forçou a um exílio doloroso e enervante, primeiro no Reino Unido, depois nos Estados Unidos, e por fim no Brasil, onde ele e a mulher, Lotte, se suicidaram em fevereiro de 1942.
Os motivos para que Zweig esteja ressurgindo neste momento específico não são necessariamente óbvios, e isso provocou muita especulação nos círculos literários. Zweig era de muitas maneiras um escritor antiquado. Sua ficção depende pesadamente de trama, e alguns dos desdobramentos são telegrafados muito antes que aconteçam; as histórias que ele conta são muitas vezes melodramáticas, e a linguagem pode ser pomposa, ocasionalmente.
Mas essas estruturas e tom tradicionais vêm acompanhados de percepções incomuns, e até reveladoras, sobre o caráter, a emoção e a motivação dos personagens, que eram pouco frequentes naquele período e continuam válidas ainda hoje. Não é surpresa que Zweig e Sigmund Freud fossem amigos e admiradores mútuos –o escritor discursou no funeral do psicanalista–, e um dos temas permanentes do romancista era o funcionamento da mente humana.
Em um evento na livraria McNally Jackson, no bairro de Soho, na semana passada, os escritores André Aciman, Katie Kitamura e Anka Muhlstein se uniram a Prochnik em um debate sobre o que torna Zweig relevante e atraente para os leitores modernos. E imediatamente destacaram sua perspicácia.
"Ele é absolutamente brilhante na psicologia", diz Aciman, posicionando Zweig no topo de uma lista de escritores "dotados de capacidade muito acurada de compreender o que move os seres humanos". Kitamura acrescentou que Zweig era especialmente astuto "na forma pela qual trata as mulheres", seus anseios e frustrações.
Também parece haver um elemento de curiosidade nostálgica no interesse renovado por Zweig, especialmente com a aproximação do 100º aniversário do início da Primeira Guerra Mundial. Seu livro de memórias, publicado em 1942 e relançado no ano passado, levava o título "O Mundo de Ontem" em inglês, e algumas de suas obras mais conhecidas têm por cenário ambientes elegantes e há muito desaparecidos –transatlânticos, spas alpinos, ou um regimento de cavalaria servindo na fronteira do império Habsburgo, um mundo recentemente evocado por Wes Anderson em seu filme "O Grande Hotel Budapeste".
"Creio que isso possa ser em parte atribuído ao interesse corrente, e mais amplo, pelo desastre do século 20, e por aqueles que o observaram", disse Edwin Frank, diretor editorial da série New York Review Books Classics, que publicou "Coração Inquieto" e quatro dos romances curtos de Zweig, nos últimos anos. "Zweig era um cronista daquele mundo e uma vítima do desastre, o que o torna uma figura intrigante".
Parte do interesse recente deriva, é claro, do filme de Anderson. O cineasta reconhece a obra de Zweig como inspiração, e o filme, cujo personagem principal, interpretado por Ralph Fiennes, até se parece com Zweig, trata de algumas das questões que preocupavam o escritor, como a emergência de fronteiras, passaportes e outros impedimentos à mobilidade e liberdade.
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O escritor austríaco Stefan Sweig e sua mulher posam para foto no Rio de Janeiro, em 1941 |
"O interesse já existia, mas se acelerou imensamente" depois da estreia do filme de Anderson, em fevereiro no Festival de Cinema de Berlim, disse Adam Freudenheim, diretor executivo da Pushkin Press, que já lançou mais de 20 obras de Zweig. "Não se refere apenas ao filme e aos espectadores que o veem. Também vem do fato de que as pessoas estão lendo e conversando sobre Zweig na mídia social de uma maneira que não se via seis meses atrás, e isso tem impacto direto sobre as nossas vendas".
Em "The Society of the Crossed Keys", livro de antologia que serve como uma espécie de peça paralela ao filme e está disponível no Reino Unido mas ainda não nos Estados Unidos, Anderson seleciona alguns de seus trechos favoritos da obra de Zweig e, em conversa com Prochnik, explica o que o atrai, neles. Zweig oferece "detalhes de um universo sobre o qual a maioria de nós não tem experiência, e que é maravilhoso descobrir", ele afirma na conversa com o biógrafo.
Enquanto era vivo, o estilo facilmente digerível de Zweig e seu apego às obras curtas fizeram dele um autor frequentemente adaptado para o cinema. Suas histórias serviram de base a mais de 70 filmes. "Cartas de uma Desconhecida", um relato perturbador sobre uma obsessão e uma forma de comportamento que hoje seria descrita como "stalking", foi filmada quatro vezes e também serviu de base ao libreto de uma ópera.
Isso já parecia estar acontecendo mesmo antes do filme de Anderson. "A Promise", adaptação de "Jornada ao Passado" dirigida por Patrice Leconte, foi lançado no ano passado, e outro diretor francês, Bernard Attal, realizou "A Coleção Invisível", no qual o conto homônimo de Zweig é adaptado para o Brasil moderno.
Na Europa continental, onde Zweig jamais desapareceu da forma que fez nos países anglófonos, há outros sinais de interesse renovado. "Les Derniers Jours de Stefan Zweig" (Os últimos dias de Stefan Zweig), de Laurent Seksik, um relato sobre os seis últimos meses de vida do escritor, foi lançado recentemente nos Estados Unidos pela Pushkin Press depois de se tornar sucesso de vendas na França, e "Ostend 1936: O Verão da Amizade", de Volker Weidermann, um estudo em alemão sobre a amizade entre Zweig e o colega escritor austríaco Joseph Roth, acaba de ser publicado e de receber críticas muito elogiosas.
O entusiasmo por Zweig de forma alguma é universal, como se pode depreender de um notório artigo do "London Review of Books" em 2010 no qual o poeta, crítico e tradutor Michael Hofmann descrevia o trabalho do austríaco como "pútrido" e o descartou como "a Pepsi-Cola dos escritores da Áustria". Mas até mesmo o surto de Hofmann serviu para conferir mais visibilidade a Zweig.
O escritor também pode estar sendo beneficiado pelas novas e cintilantes traduções de Anthea Bell, que antes era conhecida por traduções dos quadrinhos de Asterix e de fábulas de Hans Christian Andersen; seu trabalho foi elogiado por conferir a Zweig um tom mais seco e mais contemporâneo.
O escritor brasileiro Alberto Dines, que conheceu Zweig quando era menino e é autor de "Morte no Paraíso: a Tragédia de Stefan Zweig", uma biografia do austríaco, aponta que essa não é a primeira retomada do prestígio de Zweig. Também surgiu uma pontinha de interesse por seu trabalho depois da Segunda Guerra Mundial, com a publicação póstuma de obras tardias de Zweig, e de novo por volta de 1981, o centenário de seu nascimento.
A diferença desta vez, argumenta Dines, é que a atual rodada do que ele chama de zweigmania acarreta o risco de "criar uma mitologia que sutilmente o transforme em personagem de uma de suas histórias", confundindo ficção e realidade.
Talvez, prossegue Dines, o melhor seja pensar em Zweig como um apóstolo do "pacifismo, tolerância e companheirismo", que terminou derrotado pela ascensão do obscurantismo. "Toda geração tem o seu Zweig", ele disse, "e este é o da nossa, fruto de uma nostalgia e anseios imprecisos".
Tradução de PAULO MIGLIACCI