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    Leia textos de Millôr Fernandes publicados na Folha

    01/08/2014 13h07

    O desenhista, jornalista, dramaturgo e escritor Millôr Fernandes (1923-2012), homenageado da Flip deste ano, escrevia no extinto caderno "Mais!", da Folha. Leia alguns de seus textos, publicados entre 2000 e 2001.

    *

    O último texto publicado, em 12 de agosto de 2001:

    Da eutanásia

    Mais cedo ou mais tarde todo articulista decente tem que falar da eutanásia, razão pela qual eu custei tanto a me decidir. De saída é uma palavra tão bonita que, se a pronunciamos contra o céu azul do colocar-do-sol (antigo pôr-do-sol) de um dia de domingo, qualquer pessoa, por menos poética que tenha a alma, percebe imediatamente que somos muito cultos e lidos. De qualquer forma não é necessário esperar o domingo para usar a eutanásia, já que nos dias comuns essa palavra também pode ser empregada, embora só em legítima defesa.

    Porém, que é a eutanásia? A eutanásia, inventada no ano de 1200 por Sir Lawrence Olivier Lancelot, tornou-se imediatamente muito popular entre médicos que tinham pressa em receber as contas das viúvas. Aplicada aos doentes, ela dá excelentes resultados, curandoos completamente dessas tola mania de chamar médicos quando está doente. Médicos só devem ser chamados quando se está vendendo saúde. Por exemplo, aos 18 anos, fazendo surfe no Arpoador.

    Outrossim (que eliminou da língua o outronão), é muito fácil saber se você contraiu eutanásia: basta olhar pro canto e ver se a junta médica está falando em voz baixa. Se estiver, é porque você acabou de ser convocado para fim de herói russo no período comunista ou pra doador de órgãos na China atual. Isso, no Brasil do século XIX, ainda não se chamava eutanásia, se chamava "Voluntários da Pátria".

    Na Idade Média (aproximadamente 40 anos) essa ciência chegou a ser muito praticada, principalmente em Caxias, no Rio, tendo até mesmo o Sr. Tenório Cavalcanti publicado um livro sobre as melhores maneiras de se empregar a referida Euterpe com metralhadora Lurdinha. Floresceu muito, também, entre os Médicis de Florença e só não floresceu mais porque Florença temeu a concorrência e juizes severos praticaram a eutanásia na eutanásia, tendo ela embarcado para a França, onde apareceu num filme de André Cayatte e posso garantir que estava mais bonita do que nunca.

    Mas o local onde crescem as maiores eutanásias que já tive oportunidade de saborear, é no 2o. pavilhão para tratamento psicológico, no Carandiru.

    Olha, explico melhor –no tempo em que o cavalo de Tróia ainda era potro, já a eutanásia tinha dado duas voltas ao mundo, usada muitas vezes por pessoas que não tinham a mínima experiência e tentavam apagar alguém praticando a eutanásia e acabavam liquidando sem que a eutanásia sequer desse as caras. (Aqui conviria falar de Hiroshima e Nagasaki, mas eu agora estou sem vontade de me meter na guerra fria, pois acho que essa era até bem quente. Prefiro chuveiro. A propósito, alguém ai tem cinco notas de dez, dessas elásticas estou precisando lavar dinheiro).

    Isso é a eutanásia, em suma. Quem souber mais e melhor que me diga, sendo que a bibliografia a respeito é muito rica, estando mesmo Trotsky preparando um grosso volume sobre o assunto quando Stalin praticou a eutanásia nele. E mais não digo porque, aqui pra nós, estou com eutanásia de assunto.

    David Zingg/Acervo Instituto Moreira Salles
    Millôr Fernandes, homenageado da Flip 2014
    Millôr Fernandes, homenageado da Flip 2014

    Texto publicado em 8 de abril de 2001:

    Fernando Henrique Cardoso, Luis Estevão e Jader Barbalho, citados ocasionalmente nesta página, são personagens fictícios. Qualquer semelhança com Fernando Collor de Mello, PC Farias e Al Capone terá sido mera coincidência.

    1) Retrocessos da vanguarda
    Reparem, se ainda não repararam. Toda vez que a tecnologia avança, o espírito regride. É irresistìvel não aproveitar o meio novo pra repetir idéias velhas.

    2) Liberté, Egalité, Fraternité,
    Liberdade, Igualdade, Fraternidade, que bonito! A frase, criada por Benjamim Franklin, e que logo se tornaria o lema da revolução francesa, é uma contradição em termos. Pois não pode coexistir liberdade com igualdade. Se há liberdade total basta um Mike Tyson qualquer toda noite entrar no bar que eu freqüento e exercitar sua liberdade de ficar com um sorrizinho maroto na boca, pra me intimidar. Claro que eu não freqüentaria mais tal lugar, pois o homem é de assédio e eu não sou nenhuma Desirée. O termo Fraternidade foi colocado no lema entre os outros dois, como interface utópica. Mas logo Chamfort, o grande humorista-pensador da época, revolucionário da primeira hora, e imediato decepcionado da segunda, destruiria a frase gritando: "Eu sei qual a fraternidade que vocês defendem - é a fraternidade de Caim." Preso uma vez, aterrorizou-se com a violência de seus ex-companheiros. Em casa, solitário, deu um tiro na cabeça. Conseguiu apenas arrebentar o nariz e furar um olho. Desesperado, pegou uma navalha, cortou a carótida, logo depois cortou os pulsos. Fracassou. Sobreviveu sem igualdade, sem liberdade e muito longe da fraternidade.

    3) Pra que?
    O ser humano é o único animal que sempre quer mais.

    4) Horizonte
    E vai-se abrindo em beleza meu glorioso outono, nossa verdadeira primavera, que, como todos os anos, torna meu coração mais leve diante da vida.. Mas a alegria do corpo não impede a reflexão, e pode até estimular grandes dúvidas. Que foi a que me veio ontem, olhando o mar ao longe: afinal de contas a Baia dos Porcos é em Cuba ou no Rio de Janeiro?.

    5) O X
    Não tema enfrentar problemas que lhe parecem demasiado complexos. Por exemplo: o círculo é fácil de reconhecer, porque não tem hipotenusas nem catetos.

    6) POEMEU POLÍTICA E SEXUALMENTE INCORRETO

    Tá bem, querida,
    Eu não te paquero
    Porque paquera agora é crime
    É assédio, que palavra!
    Mas se teu pai não paquerasse,
    com licença da expressão,
    A tua mãe,
    Você não ia se queixar
    De minha paquera
    Porque, olha aqui,
    Você nem era.

    Ricardo Moraes - 13.nov.2006/Folhapress
    Millôr Fernandes
    Millôr Fernandes em foto de 2006

    Texto publicado em 21 de janeiro de 2001:

    ADIVINHA

    Todo dia a garota americana americana do edifício em frente fica nuazinha, sem fechar a janela. Chamei meus amigos pra apreciar. Como é que se chama a garota?

    RESPOSTA DA ADIVINHA:
    Body-espiatório.

    Se existe mesmo um crime organizado, olha, rapaziada, é a única coisa organizada neste país.

    1)IRREALIDADE
    Idealistas têm sempre lamentáveis efeitos colaterais. Quando fazem a Revolução dos Cravos, por exemplo, entregam o Timor Leste à liberdade de, 10 dias depois, ser massacrado pela Indonésia. E 25 anos depois mandam o terço da popualção que sobreviveu ser salvo pelo tangueiro FhC

    2)POETZGRILA
    No meu trabalho de tradutor sempre achei extremamente difícil traduzir poesia do polonês. Sobretudo rimas em pilsudstzw.

    3) Segundo o Detran, os cariocas afinal se lembraram de que são cariocas. Estão, cada vez mais, deixando de usar o cinto de cegorança, essa odiosa imposição dos lobbies internacionais das montadoras. E do estado caça-níqueis. Há inúmeros casos, absolutamente comprovados, remember Dener, em que o cinto mata. Nunca se provou que salve.

    4) BORGES
    "Dominamos a tecnologia. E perdemos de goleada para a sociologia"

    5) Ouvo, como sempre fascinado, a apresentadora intelectual do Fantástico, da Globo : "Na Serra, a média do frio chega a 5 graus negativos". Olha, mocinha, se há uma coisa que não chega a lugar nenhum é uma média. Em tempo: escrevi ouvo porque o Fantástico eu não ouço.

    6) WOOD FACE
    Agora, cara de pau mesmo é a do Senador, aquele, que diz, na intimidade: "Somos o 46 país em corrupção? Incompetência do governo. Se eu estivesse sentado lá chamava logo esse pessoal da Transparency International, passava um bom tutu pra eles e acabava na hora com a nossa corrupção".

    7) A TVA RESPONDE
    A propósito de uma nota-queixa só pra chatear, não espero soluções, conheço meu país sobre cobranças da TVA, o Assessor de Comunicações da empresa me explica tudo. Como sempre me trata como se eu fosse uma criança. Igualzinho a como nos trata FhC. Ou o Ministro da Justiça. Ou o Ministro Nelson Jobim, do Supremo. Ou o general Cardoso. Nós, da galera, somos todos do jardim da infância. Mas vamos lá.

    Caro Millôr,
    Sobre sua coluna do dia 31 de dezembro de 2000, na Folha de S. Paulo, gostaríamos de ponderar alguns pontos apresentados com relação aos valores cobrados pela TVA.
    ... a TVA adotou uma política diferenciada com relação à cobrança das mensalidades. Baseada numa relação de transparência com seus assinantes, a empresa decidiu discriminar todos os valores embutidos nas mesmas, inclusive taxas.
    MF. Obrigado pela transparência. Tá na moda. Mostrar o que está por baixo.
    O objetivo da empresa... é de levar ao conhecimento do assinante todas as taxas e serviços que compõem a mensalidade. Porém, mais importante que esta discriminação, é a opção que a TVA dá ao cliente de dispensar alguns serviços, podendo diminuir o preço da mensalidade.
    MF. Muito bem, é assim que se trata o cliente. Os patrões enchem ele de coisas que ele não pediu e ele, para dispensar as ofertas, que se vire com o pessoal do quarto escalão.
    Neste sentido, vale ressaltar que a única taxa obrigatória é a de decodificação (R$ 3,30) referente ao custo do aparelho decoder, utilizado para a decodificação dos sinais de programação, que são codificados. Todas as outras taxas são opcionais.
    MF. Que redação, doutor. Quase que precisa ser decodificada. Bem, depois veremos a "opção". Por enquanto fico nos R$ 3,30 (mensais): por que tenho que pagar R$ 39,60 por ano de aluguel por esse decodificador? Não podiam me vender pelo preço de custo, que não deve ultrapassar os R$ 20,00? Em cinco anos de uso terei pago R$198,00 por ele. Caro, non, mamita?
    - Revista TVA: R$ 3,50. Os assinantes que optarem por não receber a Revista podem consultar a grade de programação no Guia Eletrônico do canal TVA no AR ou por meio do site www.tva.com.br.
    MF. Tenho a impressão de que o senhor não leu meu tópico, longo, sobre o valor da revista. Vai de novo, apenas o final: Tudo comparado, a VEJA (tem 220 páginas, mais a Vejinha, com 146, fazendo um total de 366 páginas, preço R$4,50) devia custar, baratinho, R$100,00.
    Quanto à opção (de novo), "o assinante pode recusar a revista", tudo bem. Mas tem que possuir um computador pra consultar www.tva.com.br: Não tendo computador "pode consultar o Guia Eletrônico do canal TVA no AR". Isto é, sai do canal em que está vendo par exemple um filme, consulta o canal e volta ao filme. Perdeu o momento em que um assinante é seviciado.
    Manutenção Técnica: R$ 2,70. Esta taxa garante manutenção gratuita quando solicitada. Dispensa taxa de visita e despesas de consertos, quando o motivo é causado pela TVA.
    MF. Não reclamei. Achei justo. Até barato. Jamais vão me pegar fazendo malabarismos intelectuais pra provar uma tese.
    - Taxa administrativa: R$3,00. Refere-se aos custos de boleto e serviços bancários. Os assinantes também podem optar, sem ônus algum, pelo débito em conta corrente ou cartão de crédito.
    MF. Essa opção é fácil de fazer. Os bancos vivem doidos atrás desse automatismo. Torna impossível, por exemplo, fazer esta verificação no que nos estão cobrando. Bota um vidro fumê preto é melhor na "transparência".
    - Canal PSN: R$2,90. Trata-se de um canal de esportes vendido "a la carte", ou seja, não é obrigatório. Quando lançado, houve um período de degustação, sem custo algum. Após esta fase, a taxa somente passou a ser cobrada daqueles assinantes que fizeram uma autorização de cobrança.
    MF. Outra "opção"? Que, aliás, não fiz. Nem degustei coisa nenhuma. A palavra é ridícula, neste contexto. E o a de à la carte tem crase.
    Esperamos tê-lo ajudado no esclarecimento de suas dúvidas em relação à cobrança de mensalidade. Gostaríamos de ressaltar, ainda, que sua opinião é muito importante para o constante aperfeiçoamento de nossos serviços.

    Marco Dabus
    Assessor de Comunicação e Imprensa TVA

    MF. Perfeitamente esclarecido, isto é, é besteira reclamar, aqui fico, Millôr Fernandes. Jornalista sem fins lucrativos. Em tempo: fui dos primeiros assinante da TVA. E continuo achando-a melhor do que a NET.
    Não tem de quê.

    Reprodução
    Autorretrato de Millôr Fernandes
    Autorretrato de Millôr Fernandes

    Texto publicado em 6 de agosto de 2000:

    Y asi pasan los dias

    Os bancos lutam furiosamente contra a quebra do sigilo bancário. mas são entusiasticamente a favor do sigilo da quebra bancária.

    1) Estamos todos, desde sempre, a reboque da tecnologia. O comunismo, por exemplo, terminou quando, no neolítico, o da pedra polida, se descobriu o vasilhame.

    2) Conheço um porrilhão de gente que pensa ter o ativismo de Che Guevara e a filosofia de Marx. E têm apenas os furúnculos de Marx e a asma de Chê.

    3) Leio que o pessoal do BASTA! está fazendo uma campanha em Brasília pra que os homens públicos não sejam mais apedrejados (ou ovulados) com ovos. "Atirem tomates!"–diz a campanha "São mais baratos" E, acrescento eu, não têm mãe.

    4) As maravilhosas maravilhas da humanidade. (Histeria coletiva ou de massa)
    As formigas marabundas, os "lemmings" (que se atiram de ponta-cabeça no primeiro precipício que encontram) e jornalistas querendo enfiar o microfone na boca do senador acusado, são as primeiras criaturas que lembro quando me falam de histeria coletiva. Em espanhol é estampida!.

    Essa estampida acontece quando o racional é dominado pelo frenesi da religião, da bolsa de valores ou da escalação do Luxemburgo. Sem esquecer a próxima eleição com voto universal obrigatório. Histeria coletiva institucionalizada.

    Caso em que é impossível saber que "sinalização"" leva os indivíduos a votar suicidamente em Paulo Maluf ou, sinal de total incapacidade de defesa da poupança vital, dar 3% de votos ao Collor.

    5) A histeria a favor é visível quando todos os puxa-sacos abanam o rabo ao mesmo tempo, e ainda mais visível quando a abanação é de mulher. Aí o abanar do rabo deixa de ser metáfora e causa no receptador-indivíduo resposta imediata - aceleração da pulsação, contrição das pupilas e suores frios. Sem ereção.

    É sabido que, com a involução da espécie, os seres humanos começaram a modificar os sinais emitidos ou recebidos, sendo capazes de cair em histeria à simples menção do nome da filha da Xuxa, de que aumentou o furo na atmosfera, ou de que o Color ( não nos larga!) está de volta.

    Amigo meu, especialista em behaveorismo (comportamento) me mostrou como age o estímulo induzido. Ele dá uma cacetada na cabeça de um rato cada vez que este vai comer queijo. Dias depois, ele solta o mesmo rato na tua cozinha, você lhe atira um pedaço do mais fedorento Gorgonzola e ele, o rato, foge, espavorido. E todos os outros ratos fogem atrás, no efeito multiplicador.

    Mas há estímulos coletivos totalmente inexplicáveis como o que leva cem débeis mentais andando no calçadão de Ipanema, ouvindo a mesma música heavy-metal, sem nenhum saber o que o outro está ouvindo, a balançarem todos no mesmo ritmo.

    Seja como for, o mercado de histeria coletiva anda fraco. Já não se fazem mais caças às bruxas, não há mais feiticeiras de Salem, nem Inquisições, como antigamente. Em compensação, temos milhares de skatistas dando saltos alobrógicos em buracos no meio da rua e centenas de milhares de pessoas se agitando freneticamente atrás de um trio elétrico na Bahia. Mas parece que isso, na Bahia, não conta como histeria. É só a liberação de energia represada durante o resto do tempo. Acham até, os baianos, que é uma forma de sobrevivência da espécie.

    Pois, por inaptidão ou pura preguiça, nunca houve suicídio em massa do alto de elevador Lacerda.

    Ah, olha, não quero assustar ninguém não, mas me afirmam que o Collor já está com 4% dos votos.

    6) Esse negócio do neoliberalismo substituindo o antigo socialpositivismo do FhC (PhD cum laude), me lembra não sei por que - ou sei? - a história do guarda que há três anos pegou um candango dentro dum laguinho em Brasília (aquele mesmo em que a marinha proibiu o tráfego de barcas). O guarda gritou: ""Está preso. Você não sabe que é terminantemente proibido nadar aqui?" O candango, se debatendo, gritou desesperado: "Seu guarda, pelo amor de Deus, eu não estou nadando, estou me afogando" "Ah" - considerou o guarda - "tudo bem". E foi embora.

    7) Todo poder a Marcos Maciel que tem se comportado extraordinariamente bem como Presidente-Em-Excercício. Todos acham que deve ficar definitivamente. Até FhC é a favor. Está satisfeitíssimo como Ministro do Exterior.

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