• Ilustríssima

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    Dois poemas para ler no bonde

    OLIVERIO GIRONDO
    tradução FABRÍCIO CORSALETTI E SAMUEL TITAN JR.
    ilustração OLIVERIO GIRONDO

    10/08/2014 03h49

    SOBRE O TEXTO Os poemas abaixo fazem parte da antologia bilíngue "20 Poemas para Ler no Bonde" (Coleção Fábula, Editora 34), que será lançada no próximo dia 18. A edição traz ilustrações pouco conhecidas, feitas pelo autor do livro, o poeta argentino Oliverio Girondo (1891-1967). O volume inclui ainda ensaio fotográfico de seu compatriota Horacio Coppola (1906-2012).

    *

    CROQUI NA AREIA

    A manhã sai a passeio na praia polvilhada de sol.

    Braços.
    Pernas amputadas.
    Corpos que se reintegram.
    Cabeças flutuantes de borracha.

    Ao tornear os corpos das banhistas, as ondas espalham seus cavacos sobre a
    serragem da praia.

    Tudo é ouro e azul!

    A sombra dos guarda-sóis. Os olhos das moças que se injetam romances e
    horizontes. Minha alegria de sapatos de borracha que me faz pular na areia.

    Por oitenta centavos, os fotógrafos vendem os corpos das mulheres que se
    banham.

    Há quiosques que exploram a dramaticidade da arrebentação. Criadas chocas.
    Sifões irascíveis, com extrato de mar. Rochas com peitos algosos de marinheiro e
    corações pintados de esgrimista. Bandos de gaivotas, que fingem o voo
    destroçado de um pedaço branco de papel.

    E diante de tudo está o mar!

    O mar! ritmo de divagações. O mar! Com sua baba e sua epilepsia.

    O mar! até gritar
    basta!
    como no circo.

    Mar del Plata, outubro, 1920

    Divulgação
    ilustração de Oliverio Girondo para a primeira edição de seu livro "20 Poemas para Ler no Bonde"
    ilustração de Oliverio Girondo para a primeira edição de seu livro "20 Poemas para Ler no Bonde"

    RIO DE JANEIRO

    A cidade imita em papelão uma cidade de pórfiro.

    Caravanas de montanhas acampam nos arredores.

    O Pão de Açúcar basta para adoçar a baía inteira O Pão de Açúcar e seu
    teleférico que há de perder o equilíbrio por não usar uma sombrinha de papel.

    De cara maquiada, os edifícios trepam uns por cima dos outros e, quando chegam ao alto, viram o lombo para que as palmeiras lhes deem com o espanador na laje.

    O sol amolece o asfalto e o traseiro das mulheres, amadurece as lâmpadas
    elétricas, sofre um crepúsculo nos botões de opala que os homens usam até para fechar a braguilha.

    Sete vezes ao dia regam-se as ruas com água de jasmim!

    Há velhas árvores pederastas, desabrochadas em rosas-chá, e velhas árvores
    que engolem as crianças que jogam bola no passeio público. Frutas que, ao cair, fazem um buraco enorme na calçada; negros que têm cútis de tabaco, a palma das mãos feita de coral e sorrisos sem-vergonha de melancia.

    Por apenas quatrocentos mil-réis se toma um café, que perfuma todo um bairro da cidade durante dez minutos.

    Rio de Janeiro, novembro, 1920

    OLIVERIO GIRONDO (1891-1967) foi um poeta argentino. O livro "20 Poemas para Ler no Bonde" será lançado no dia 18, às 20h, no Clube das Artes, em São Paulo.

    SAMUEL TITAN JR., 43, é tradutor e professor de teoria literária e literatura comparada da USP.

    FABRÍCIO CORSALETTI, 35, poeta e colunista da Folha, é autor de "Quadras Paulistanas" (Companhia das Letras), com desenhos de Andrés Sandoval.

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