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    A arquitetura barulhenta do Templo de Salomão

    MIGUEL DEL CASTILLO

    31/08/2014 03h43

    Quem vê alguns trechos da reportagem da Record sobre a inauguração do Templo de Salomão pode se imaginar numa filmagem épica cujo tema é o Antigo Testamento, ou então no meio de um filme de George Lucas. Mas o Templo já é uma realidade: 104 metros de largura, 126 de comprimento e 55 de altura. Abriga até dez mil pessoas sentadas. Muito se escreveu sobre a história da Igreja Universal do Reino de Deus; como o foco deste texto é mais "arquitetônico", digamos, não vou tentar cobri-la aqui, desde os antecedentes no movimento pentecostal norte-americano, passando pela chegada desse ao Brasil, as Assembleias de Deus, a Quadrangular, a Casa da Bênção e outras, e os caminhos tortuosos que então se desgarrariam dessas origens (que lá permanecem) e levariam ao neopentecostalismo e a sua famosa teologia da prosperidade, representado aqui em grande parte pela Universal. (Uma boa palhinha é esta entrevista com o professor Ricardo Bitum.)

    Diferentemente da Igreja Católica, o protestantismo no Brasil, de modo geral, não costumava ser afeito a templos suntuosos - as exceções são algumas catedrais presbiterianas e luteranas aqui e ali, sobretudo no Sul e no Sudeste, muitas vindas junto com imigrantes europeus; ainda assim, seus interiores são austeros se comparados aos das católicas. Dizer que isso se deve, no caso das igrejas pentecostais, à sua ampla adesão entre as classes mais humildes, por exemplo, pode soar correto, mas se olharmos para o panorama como um todo, veremos que a regra vale para a grande maioria dos salões de culto no país, inseridos em diversos contextos sociais. Até as maiores igrejas costumam ser grandes galpões espartanos, mal decorados, como se a arquitetura fosse algo sem importância. Aqui em São Paulo, a Igreja Batista da Água Branca, por exemplo, que tem milhares de membros, ficou por anos instalada numa grande tenda, e só recentemente construiu um novo edifício para suas reuniões.

    Mauro Restiffe/Instituto Moreira Salles
    "Templo de Salomão", fotografia de Mauro Restiffe, parte de exposição do artista em cartaz no Instituto Moreira Salles, no Rio
    Mauro Restiffe, São Paulo - Templo de Salomão, 2014, da série "São Paulo, Fora de Alcance". Em exposição no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro até 28/09. Curadoria de Thyago Nogueira

    Sendo eu mesmo cristão protestante, sempre senti uma pontinha de inveja dos católicos, com sua rica simbologia e suas belas igrejas. A arquitetura religiosa contemporânea, sobretudo de templos católicos, parece tentar resgatar uma austeridade que era comum nas igrejas do período românico (minhas preferidas na história da arquitetura, que datam entre os séculos X e XII). Na Chapel of St. Ignatius (1994-97), na Universidade de Seattle, Steven Holl trabalha a luz como metáfora para o religioso, e as divisões internas da capela remetem às etapas da liturgia jesuítica. Um exemplo mais radical é a Capela Bruder Klaus (2007), do suíço Peter Zumthor: a forma externa - um paralelepípedo longilíneo de concreto - esconde um interior surpreendente, algo cavernoso, com uma abertura para luz zenital bem distante; um lugar que estimula o silêncio, a reflexão. Aliás, proporcionar um espaço silencioso para a meditação parece ser um dos grandes objetivos de muitos projetos recentes desse tipo, e queria destacar aqui, para não me alongar muito, a Cathedral of Our Lady of the Angels (2002), projetada pelo espanhol Rafael Moneo no centro de Los Angeles: uma catedral, feita para receber muitas pessoas, e ainda assim um espaço que parece ter outra vibração, diferente da cidade barulhenta a seu redor.

    Voltando ao Brasil: o despojamento dos templos evangélicos, seu pouco apego à arquitetura, costumava, portanto, ser uma marca registrada, para o bem ou para o mal. O bispo Edir Macedo talvez tenha captado isso no ar, de algum jeito. Primeiro, percebeu em seus fiéis - que vivem, como todos nós, num mundo ultramidiático - uma avidez por imagens e símbolos. Assim surgiram o "banho do descarrego" com os "sete elementos sagrados", a "rosa ungida" e o "Óleo do Salmo 23", que teoricamente teria sido ungido em Israel. Israel: aqui está a grande chave. Para não recorrer à simbologia católica, a Universal foi buscar no Israel do Antigo Testamento sua fonte inesgotável de imagens e símbolos. Macedo, como ouvi dizerem recentemente, "carnavalizou a fé". A última etapa, a última transubstanciação desses símbolos é enfim arquitetônica: o Templo de Salomão.

    Em meio à paisagem urbana de São Paulo e do Brasil, o templo-símbolo da Universal tira proveito de sua arquitetura anacrônica: desse modo se destaca ainda mais no entorno (há uma grande Assembleia de Deus do outro lado da avenida Celso Garcia, um edifício espelhado que poderia ter qualquer outra função), reivindica ares messiânicos e legitima todos os objetos-símbolos que usa (da quipá do bispo às menorás, tudo vendido em miniatura numa lojinha próxima). Seu status de gigante complexo religioso e sua implantação numa grande quadra do Brás (e, em última instância, na maior metrópole do país) lhe conferem o posto de local incontornável de peregrinações, apto a receber encontros gigantescos.

    "Uma lembrança física da fé que funciona e agrada a Deus", dizia a voz que narrava o espetáculo de projeções na fachada, no dia da inauguração do templo. É mais que lembrança física: é um amuleto descomunal, uma nova imagem de proporções faraônicas que acompanhará cada membro da denominação. Ao contrário da arquitetura que mencionei antes, esta parece alimentar o barulho, seja ele sonoro ou visual, como se a mente dos fiéis precisasse ficar preenchida por imagens e novidades para não terem tempo de pensar no absurdo que aquilo representa, nas contradições teológicas e práticas - sem falar das urbanísticas.

    É curioso que haja outro movimento de "resgate do passado" no meio evangélico hoje: muitos pastores e líderes, já há uns bons anos, voltaram a ler os chamados Pais da Igreja (Santo Agostinho et al.), a literatura mística (Santa Teresa D'Ávila, São João da Cruz), entre outros, e têm buscado revalorizar símbolos e práticas como a cruz, a vela, o calendário litúrgico, a lectio divina e as disciplinas do silêncio. Um movimento que conduz à introspecção, e por isso se assemelha àquela intenção que mencionei anteriormente, de parte da arquitetura religiosa contemporânea. Seria interessante ver isso refletido na arquitetura por aqui também. Fico tentando imaginar como seriam possíveis respostas arquitetônicas silenciosas ao Templo de Salomão.

    A igreja primitiva, aquela dos anos seguintes à morte e ressurreição de Jesus, se reunia em cavernas e nas casas das pessoas, escondendo-se da perseguição do Império Romano. Um tipo de "igreja" cujo grande disseminador pela Ásia Menor foi o apóstolo Paulo, autor também de um dos mais belos discursos da Bíblia, não por acaso proferido no Areópago de Atenas, não por acaso "pichado" (numa montagem) no Templo de Salomão da Universal pouco antes de sua inauguração. A falsa pichação se referia a Atos 17:24, que diz o seguinte: "O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor dos céus e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas". A seguir, no versículo 25, Paulo explica o motivo: "porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas". E, mais adiante, diz que Deus não está "longe de cada um de nós. 'Pois nele vivemos, nos movemos e existimos', como disseram alguns dos poetas de vocês: 'Também somos descendência dele'".Não está longe, naquela "arca" que entrou de maneira triunfal, fora do alcance da multidão que se reunia no novo edifício da Universal. Nesse sentido, o título da série de Mauro Restiffe a que pertence a fotografia abaixo, feita durante a construção do templo, soa quase profético: São Paulo, Fora de Alcance.

    MIGUEL DEL CASTILLO é escritor, tradutor e editor de arquitetura e fotografia na Cosac Naify.

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