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    Olafur Eliasson fala sobre seus desafios

    JACKIE WULLSCHLAGER
    DO "FINANCIAL TIMES"

    14/12/2014 03h48

    O filósofo do espetáculo está montando uma mostra de imersão no novo museu de Bernard Arnault

    Um artista pode competir com as fantasias combinadas do homem mais rico da França e do arquiteto mais famoso do mundo?

    Ao contratar Olafur Eliasson, o filósofo do espetáculo europeu, para a exposição inicial de sua Fondation Louis Vuitton, Bernard Arnault certamente desejava feitiçaria visual, mas também certa sobriedade, para compensar a imagem de seu museu como passatempo insensato de um bilionário.

    Com obras como "Map for Unthought Thougts", uma instalação de luz e espelhos em padrão simétrico quintuplicado; "Double Infinity", um corredor forrado de lixas enegrecidas; e um aparelho instalado no teto que concentra os raios do sol e os direciona ao edifício de Frank Gehry, Eliasson criou uma mostra na qual a abstração é dominante. Os efeitos soam tão efêmeros que implicam uma resposta ao materialismo sólido simbolizado pelas iniciais LV gravadas, como que em uma joia, sobre a entrada do edifício.

    Patrick Kovarik - 22.out.2014/AFP
    Visitante vê obra de Olafur na feira de arte Fiac, em Paris
    Visitante vê obra de Olafur na feira de arte Fiac, em Paris

    Eliasson diz que a mostra, intitulada "Contact", trata dos "horizontes que, para cada um de nós, separam o conhecido do desconhecido". Pergunto ao artista dinamarquês/islandês, ao nos encontrarmos em Londres antes da abertura da mostra, que acontece este mês, se isso significa que ele é existencialista.

    "Não me vejo como pessoa especialmente existencial", responde Eliasson, cautelosamente, ainda que ele pareça existencialista: solene, de óculos, descabelado, vestido casualmente em calças escuras e uma camiseta azul que traz a palavra "space".

    "As questões sobre a vida devem ser encaradas de maneira prosaica. Muitas vezes, as ideias não vêm de dentro. E tampouco são transmitidas de Deus ao homem - essa é uma ideia romântica. São pragmáticas, vêm da vida cotidiana, da sarjeta do tempo", ele prossegue.

    É importante, ele diz, não confundir uma ideia e uma obra de arte. "Entre uma ideia e fazer alguma coisa, existe uma ponte. Primeiro você faz um desenho, um pequeno rabisco, mas é maravilhoso: naquele momento você mudou o mundo! Depois, você prepara outro desenho, um modelo em papelão, acrescenta cores, coloca a imagem no computador, talvez solicite a ajuda de um cientista. A suposição em nossa sociedade é de que a criatividade está nessas escolhas, entre o papel e a madeira, o vermelho e o azul, o teto ou o piso, mas não está. Está na qualidade da forma pela qual ela toma o mundo".

    A instalação "Ice Watch", de Eliasson –imensos blocos de gelo da Groenlândia colocados diante da prefeitura de Copenhagen como "um despertador físico" sobre a mudança do clima– terminou de derreter há algumas semanas. Ele acredita que a arte pode transformar o mundo?

    O artista se inclina para a frente, com intensidade. "Eu ficaria muito triste se dissesse não acreditar nisso. Seria definir minha arte como formalista. Mas não acho que o mundo seja fácil de mudar. Falamos da mudança do clima ou do EIIL, mas fazer alguma coisa é muito mais difícil. Sentimos desespero, desconexão - não admira que as pessoas se deixem conquistar pelo nacionalismo. O que torna o setor cultural importante é que, ao contrário do setor político, ele desfruta da confiança da sociedade cívica".

    Ben Stansall - 14.out.2014/AFP
    Visitante vê obra "Schools of Movement Sphere", de Olafur, na feira de arte Frieze em Londres
    Visitante vê obra "Schools of Movement Sphere", de Olafur, na feira de arte Frieze em Londres

    A maior parte dos artistas contemporâneos que trabalham com instalações não desfrutam dessa confiança. De celebridades como Damien Hirst a favoritos dos museus como Bruce Nauman, Doris Salcedo e Richard Turtle, seus trabalho costumam ser ridicularizados ou incompreendidos pelo público. Eliasson é uma exceção: seu "Weather Project", com um gigantesco sol espelhado em uma atmosfera nevoenta, levou dois milhões de pessoas à galeria Tate Modern. E continua a servir como definição sobre a maneira pela qual a arte do século 21 pode servir de foco de conexão social, engajamento político –o foco implícito do trabalho era a mudança do clima– e diversão. "As pessoas se deitam no chão, e olham para cima vendo seu reflexo no teto iluminado pela luz amarela de seu novo deus sol", elogiou o crítico Robert Hughes.

    Participação é um termo que interessa muito ao mundo da curadoria, mas as obras de Eliasson, ao produzir seus efeitos por meio da alteração de percepções sensórias e, com isso, talvez de percepções sociais ou políticas, realmente dependem da reação dos visitantes. "Só depois que um texto foi lido, o impacto dele sobre as pessoas que leram servirá como força centrífuga criativa. Não é a obra final que importa, mas a jornada para ela", diz o artista.

    Na fundação LV, essa jornada avança por dentro de um teatro envolvente de luz e sombras, transportando a audiência à aparente escuridão do espaço exterior por meio de uma escultura de fluxo de água reverso, "Parallax Planet", da "Big Bang Fountain" e de um poliedro de vidro chamado "Dust Particle". Como asteroides, os visitantes se sentirão "flutuando pelo espaço, encontrando as obras, encontrando outros visitantes, vendo-os voar por ali".

    Se isso é o romantismo sublimado dos nórdicos reinventado para a era especial, o trabalho também é influenciado pelo outro ideal escandinavo: o do contrato social. "O estúdio não é uma unidade fechada, mas parte instrumental da sociedade", insiste Eliasson. "Criatividade é interdependência". No seu estúdio em Berlim - ele viaja para lá de Copenhagen, onde vive com a mulher, historiadora da arte, e os dois filhos do casal, crianças adotadas da Etiópia -, Eliasson emprega uma equipe de 90 pessoas: arquitetos, engenheiros, técnicos, dois cozinheiros. O livro de receitas vegetarianas sustentáveis do estúdio foi publicado no ano passado; outras empreitadas que combinam filantropia e negócios incluem as luminária "Little Sun", de LED, acionada por energia solar e à venda por 20 libras na galeria da Tate Modern; as vendas desses produtos no Ocidente permitem sua distribuição a baixo preço em porções da África que não dispõem de eletricidade.

    Eliasson reconhece que "ter crescido no norte da Europa me influenciou muito", ainda que acrescente que "penso em identidade como formada pela sobreposição de camadas de tudo aquilo que vivemos". Nascido em Copenhagen em 1967, filho de pais islandeses que se separaram pouco depois, ele experimentou extremos de paisagem durante as férias de verão que passava com o pai na Islândia, "um artista que passava muito de seu tempo na natureza; ele viajava muito, e eu o acompanhava, mas o que eu gostava mesmo era de brincar na terra e fazer represas".

    Eliasson tinha "começado a estudar arte há apenas 10 dias", em 1989, em Copenhagen, quando caiu o Muro de Berlim, "e fomos de carro para Berlim, imediatamente". Ele se mudou para a cidade definitivamente em 1994. "Não havia assim tantos artistas, éramos 30 ou 40, e convivíamos. Minha sorte é que quando comecei tinha acabado de acontecer um crash financeiro, e houve uma súbita mudança da arte dos 80 para algo mais efêmero e mais relacionado à psicologia".

    "Eu já estava muito interessado nos artistas da costa oeste dos Estados Unidos, James Turrell, Robert Irwin, e também de Nova York - Felix Gonzáles Torres, Cady Noland, a nova sensibilidade. Nós nem mesmo éramos contra o dinheiro; ele simplesmente não era parte da equação; não tínhamos críticas ao mercado".

    O caminho foi longo de lá para a Fondation Louis Vuitton de Arnault.

    "Algumas pessoas são céticas quanto ao envolvimento do setor privado, mas é errado sugerir que você é bom demais para trabalhar com o setor privado. As melhores mostras, escolhas mais radicais, plataformas mais experimentais, muitas vezes estão no setor privado. Não devemos subestimar o quanto a arte é robusta".

    A visão de Eliasson - como político, empreendedor, diretor de estúdio, coreógrafo de espetáculos em modo rave - é tão inclusiva que fico imaginando se sua identidade continua a estar na arte.

    "Minha arte ainda tem uma definição de self. No meu caso, o que constitui o self é a capacidade daquilo que o cerca de contê-lo. Quando converso com você agora, você me transporta e me reflete".

    Em última análise, a intimidade da arte de Eliasson é sempre sobre um nós e não sobre ele.

    "Você se encontra por meio da arte", ele diz. "Ela pode lembrá-lo de algo que você um dia soube sobre si mesmo mas esqueceu, algo que retém pensamentos não pensados. Aprendemos isso com a literatura, com o teatro, e às vezes você se reconhece em uma obra: 'É exatamente assim que me sinto. Só não conseguia transformar o que sinto em pensamento, dar-lhe forma'. É isso que a cultura fundamentalmente faz".

    "Olafur Eliasson: Contact", Fondation Louis Vuitton, Paris, 17 de dezembro a 16 de fevereiro de 2015, fondationlouisvuitton.fr

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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