• Ilustríssima

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    Dois poemas de Júlia de Carvalho Hansen

    JÚLIA DE CARVALHO HANSEN
    ilustração JULIA DEBASSE

    07/06/2015 02h09

    Manadas abrem com fogo os caminhos.
    Vão matar aquele que proferiu
    a palavra animada. Vai morrer
    aquele que falou.

    Há séculos árvores se matam
    pelas impressões dos que dizem.
    Há séculos morrem pelos verbos.

    Carregado entre as tochas
    vem aquele que só teve ouvidos
    O silêncio
    entre assobios de pássaros
    é um dos nossos profetas:
    e, como um astrólogo,
    entre os ritmos dos astros
    entre as rochas, falou:

    sois gastos como os troncos na rua
    meio podres. As chuvadas
    vão levar abaixo
    os cabos elétricos!
    abaixo os vizinhos!
    abaixo os jornais!
    abaixo os compartilhadores!
    abaixo!
    os que mantêm vivas
    as informações proliferando!

    E quando diria:
    abaixo os instrumentos!
    Veio a palavra, o enredou:
    estava humano:
    teve compaixão. E matou.

    Julia Debasse

    Tenho sido entregue
    às mais escuras
    das noites mudas.
    Que posso eu?
    No entre desses espinhos?
    Ando tão baixo
    quanto as formigas
    mas se arbusto não sou
    por que tenho vivido
    eu coberta de espinhos?
    Da queda fez-se um ninho
    maceradas folhas de sombra
    abrigam o meu corpo.
    É o esquecimento da terra.
    Mas por que, por que
    vesti-me de espinhos?
    Si soy el temblor, o lugar
    onde o trovão diz
    EU é o meu peito
    alargado.

    JÚLIA DE CARVALHO HANSEN, 31, é poeta brasileira, autora de "Alforria Blues ou Poemas do Destino do Mar" (Chão da Feira).

    JULIA DEBASSE, 29, é artista plástica.

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