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    Fan fiction de "50 Tons de Cinza" assume vida própria

    ALEXANDRA ALTER
    DO "NEW YORK TIMES"

    27/06/2015 10h54

    Em nota aos leitores na página de dedicatórias de seu novo romance, "Grey", E. L. James lembra um pouco uma mãe exasperada de filhos resmungões e exigentes.

    "Este livro é dedicado aos leitores que pediram... e pediram... e pediram... por ele", ela escreveu.

    "Grey" reconta, em 559 páginas, a história do best seller erótico "50 Tons de Cinza", dessa vez da perspectiva do temperamental bilionário Christian Grey. Os leitores que devoraram o romance original e os demais livros na trilogia de grande sucesso de vendas estão aporrinhando James por essa versão desde que os livros originais saíram em 2011.

    Para muitos fãs, a espera terminou na semana passada com o lançamento de "Grey", que reconta a sedução da pudica universitária Anastasia Steele por Grey, que a arrasta a um relacionamento sadomasoquista, de dominação e submissão.

    Mas outras pessoas se recusaram a esperar que James retomasse a história. Em lugar disso, criaram suas versões para o lado de Christian Grey na história e as postaram na internet, onde elas vêm atraindo grandes audiências.

    Gillian Griffin, 58, casada e mãe de três filhos, de Surrey, Inglaterra, ficou tão encantada com o personagem, enigmático e controlador, que reescreveu os três romances da trilogia original do ponto de vista de Grey, postando-os em seu blog, Meet Fifty Shades, sob o pseudônimo Christian Grey. Ela o fez principalmente para se divertir, diz Griffin, mas mais gente se interessou. Os romances, que ela demorou um ano a escrever, atraíram 8,8 milhões de visitantes. Griffin se declara ávida por ver o que James fez com o mesmo material.

    "Fico muito curiosa por ver como a história dela difere da minha", disse Griffin, que também escreve fan fiction baseada na série "Downtown Abbey", em entrevista por telefone. "É um pouquinho esquisito, já que a história, os personagens, o trabalho, são dela. Só os tomei de empréstimo para me divertir um pouco".

    A fan fiction em geral acompanha as séries literárias de maior sucesso; leitores tomam posse dos personagens e criam histórias próprias para eles. Mas, em uma inversão pouco comum, os leitores se adiantaram a James e relataram a história de "50 Tons de Cinza" do ponto de vista do bilionário sedutor muito antes que a escritora anunciasse seus planos de fazê-lo.

    "Toda garota que leu o livro se apaixonou por ele", disse uma fã de "50 Tons de Cinza" em Glasgow que escreve fan fiction sobre Christian Grey sob o pseudônimo de Scarlette Drake e a publica no site Wattpad, popular veículo para fan fiction e textos originais. (Ela não quis que seu nome real fosse publicado para evitar escandalizar seus colegas de trabalho em uma ONG de habitação.)

    Que os fãs disparariam a recriar a história era inevitável. Os leitores se hoje se comportam mais como acionistas de uma empresa do que como consumidores, e exigem participação no direcionamento da história, acrescentando floreios e reviravoltas próprias. Dada a presença de comunidades online vigorosas, os devotos de uma série de livros podem facilmente encontrar seu nicho. Existem 2,4 mil histórias de fan fiction baseadas em "50 Tons de Cinza" na fanfiction.net, e muitas mais no Tumblr e em sites dedicados especificamente aos livros da série.

    James se declara lisonjeada por os leitores terem se deixado fascinar a esse ponto por seus personagens.

    "Estou deliciada por as pessoas escreverem fan fiction baseada em '50 Tons de Cinza', embora eu não tenha lido nenhum desses trabalhos", ela declarou, respondendo a perguntas por intermédia de sua editora. "É um grande tributo".

    E esses escritores estão seguindo os passos de James, que começou a escrever "50 Tons de Cinza" como uma série livre de fan fiction, baseada nos personagens Edward e Bella de "Crepúsculo", de Stephanie Meyer. Ela mudou os nomes para Christian e Anastasia, apagou seu trabalho original de fan fiction do site que o hospedava e publicou os romances por meio de uma pequena editora australiana.

    Depois que a editora norte-americana Vintage adquiriu os direitos de publicar a trilogia em formato de bolso e lançou os livros, em 2012, eles venderam 125 milhões de cópias em 52 idiomas. Um filme lançado em fevereiro faturou quase US$ 570 milhões nas bilheterias de todo o mundo. A série resultou até em uma improvável linha de mercadorias com a marca "50 Tons de Cinza", incluindo vinhos, algemas, lubrificantes, óleo para massagens, vibradores, cordas para bondage e um produto chamado "creme pós-espancamento". A revista "Forbes" classificou James como o escritor de maior faturamento em 2013, com renda estimada em US$ 95 milhões.

    "Grey" já é o livro digital com maior número de pré-encomendas na Amazon.com em 2015. A Vintage planejou uma primeira impressão de 1,25 milhão de cópias e já ordenou mais duas impressões, elevado o total de cópias impressas a 1,6 milhão.

    Alguns fãs não estão impressionados. Na manhã da quinta-feira, horas depois que o livro foi lançado, diversas resenhas negativas na Amazon e no site Goodreads definiram "Grey" como continuação preguiçosa e nada imaginativa, com pouco ou nada em termos de trama nova. "Tudo que esse livro me deu foi uma repetição do original", escreveu um resenhista em uma crítica que dava duas estrelas ao romance, na Amazon. "O livro é só uma tentativa da autora de arrancar cada centavo que puder dessa série", comentou outro crítico.

    Para muita gente, porém, mais do mesmo era exatamente o desejado.

    "Todos nos apaixonamos pela história de Christian e Anna", disse Penny Brueggemann, 56, que vive em Illinois e trabalha para a Purina. "Todos queríamos mais".

    Ela encontrou o que queria online, nos escritos de Emine Fougner, 42, que vive em Mesa, Arizona, e trabalha como linguista e tradutora freelancer para o governo dos Estados Unidos. Cerca de quatro anos atrás, Fougner e um par de amigos estavam dissecando a trama e personagens de "50 Tons de Cinza". Concordaram em que Christian era o personagem mais sombrio e interessante. Os amigos de Fougner insistiram em que ela escrevesse sua versão, narrando o ponto de vista dele, e por isso ela criou um blog. "Eles me disseram que não se importavam com Ana; queriam saber o que ele pensava", diz Fougner.

    E muito mais gente também queria, ao que parece. Seu blog, A Walk in the Clouds, já recebeu mais de 14 milhões de visitas. Ela tem leitores em 187 países. Voluntários traduziram sua escrita para seis idiomas.

    A esta altura, Fougner, que postou o equivalente a cinco romances, com cerca de 3,5 mil, páginas, escreveu muito mais sobre Christian e Anastasia do que a criadora dos personagens.

    "Prefiro a escrita dela à de E. L. James", disse Brueggemann. "Acho que nada se compara".

    Outra das dedicadas leitoras de Fougner, Krystal Shores Bailey, 32, dona de casa que vive perto de Birmingham, Alabama, disse que leu "Grey" quando o livro saiu, na quinta-feira, mas o considerou inferior à versão de Fougner.

    "Sabia que 'Grey' me decepcionaria", ela disse. "Já tinha lido a história pelos olhos de Emine e, honestamente, não acho que a versão de E. L. James dê para o cheiro da versão de Christian que ela criou".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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